Cuidado com a Raiva da sua Alma
De Livros e Sermões BÃblicos
Por Joe Rigney Sobre Santificação e Crescimento
Tradução por Ana Cristina Bonetti
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Como Conter uma Paixão Ímpia=
Cada vez que relemos um grande livro, inevitavelmente extraímos algo novo dele. Isso não acontece porque o livro muda, mas porque nós mudamos. O significado é estável, mas nós crescemos e amadurecemos (deveríamos, pelo menos). E conforme o fazemos, nos tornamos atentos à verdade em novas maneiras; temos uma estrutura mais ampla e rica que nos permite enxergar mais nos livros que lemos (e relemos).
Isso se aplica até mesmo aos livros infantis. Talvez especialmente aos livros infantis. Meu apreço por Nárnia, por exemplo, não é segredo. Já li a série dezenas de vezes. Em minha mais recente jornada através do guarda-roupa, um tema importante do último livro me iluminou de uma maneira nova. E, então, minha leitura da Bíblia conectou com aquele tema e esclareceu a questão.
A centralidade das paixões é o tema nos primeiros capítulos de A Última Batalha. As paixões são os movimentos impulsivos, quase instintivos, da alma. Elas são boas, mas perigosas. Elas são as nossas reações imediatas à realidade, tais como o medo, a ansiedade, o desejo, a pena, o luto e a raiva. É esta última paixão que aparece de forma mais proeminente em A Última Batalha. O que acontece quando nossa raiva, por mais justificada que seja em si mesma, se descontrola e se torna precipitada? Existe alguma maneira de controlá-la?
A Precipitação do Rei
O segundo capítulo começa com o Rei Tirian e seu amigo íntimo, Precioso, o Unicórnio, em devaneio com a notícia de que Aslam havia retornado a Nárnia. A chegada de Aslam é a notícia mais maravilhosa que se possa imaginar. No entanto, sua alegria é interrompida por Passofirme, o Centauro, que afirma que a notícia sobre a chegada de Aslam é uma mentira.
"Mentira!" explodiu o rei. "Que criatura, em Nárnia ou no mundo inteiro, ousaria inventar uma mentira dessas?" E, sem nem pensar no que estava fazendo, levou a mão à bainha da espada. (26)
Observe a intensidade da reação do Rei. Mais importante ainda, observe aonde essa reação o leva. Sua mão vai à sua espada "sem nem pensar no que estava fazendo". Em outras palavras, sua paixão impulsiva o levou a reagir, independentemente da orientação de sua mente.
Vemos a mesma precipitação alguns momentos depois quando a dríade emerge da floresta, clamando por justiça pela destruição das árvores falantes. Ao ouvir isso, Tirian se levanta em um salto e saca sua espada. Não há inimigos presentes. Mesmo assim, a espada é sacada, talvez, novamente, sem que ele perceba plenamente o que está fazendo. Sua paixões estão no controle.
A Raiva Atrai Mais Raiva
Quando a dríade cai morta no chão, Tirian fica tão furioso que nem consegue falar. Ele, então, convoca Precioso e Passofirme para se juntarem a ele imediatamente na jornada para matar os vilões que cometeram esse assassinato. Eles devem partir "o mais depressa possível". Precioso concorda, mas Passofirme adverte. "Senhor, cuidado com a vossa justa ira" (29). Em sua raiva, diz Passofirme, não peque. Não seja imprudente. Vamos esperar para reunir as tropas e ver a força do inimigo.
Mas Tirian não vai esperar "nem um décimo de segundo". Sua ira está acesa e comandando o navio. Ele e Precioso partem com Tirian que está falando sozinho e cerrando seus punhos. Ele está com tanta raiva que mal se dá conta do frio da água quando atravessam um rio. Sua raiva o segura pela garganta e não vai soltar.
Após descobrirem que, aparentemente, foi Aslam quem ordenou a derrubada das árvores, Tirian e Precioso seguem em direção ao perigo. O narrador comenta,
Naquele momento, nem ele [Precioso] nem o rei se deram conta da loucura que estavam fazendo, indo avante só os dois. Sua precipitação, no entanto, acabaria por trazer muitos males. (34)
Esse é o problema: eles estão muito enraivecidos para pensar com clareza. Por mais justa que seja sua raiva frente a injustiça diante deles, a precipitação dessa raiva leva à tolice. Eles estão reagindo impulsivamente, sem responder intencionalmente e o resultado será de grandes males e danos.
O Que Pode Controlar a Raiva?
Não precisamos esperar muito tempo para que parte desse mal se manifeste. Quando os dois se deparam com um cavalo falante sendo espancado e chicoteado por soldados Calormanos, a raiva deles atinge o ápice.
Quando Tirian soube que o cavalo era um de seus narnianos, tanto ele quanto Precioso foram tomados de tamanha fúria que perderam totalmente a noção do que estavam fazendo. A espada do Rei subiu e o corno do Unicórnio desceu. Os dois avançaram de uma vez. Em questão de segundos os dois Calormanos jaziam mortos no chão, um decepado pela espada de Tirian e o outro com o coração traspassado pelo corno de Precioso. (37)
Repetidamente, vemos o tema deste capítulo — desde a mão na espada sem perceber, até a raiva excessiva para pensar com clareza, até a fúria tão intensa que não sabem o que estão fazendo, mesmo enquanto matam dois homens. A precipitação desenfreada do rei levou a um grande derramamento de sangue.
Gostaria de trazer a precipitação de Tirian para a conversa com uma história das Escrituras e perguntar: Se a raiva desenfreada e precipitada leva a grande loucura, maldade e derramamento de sangue, o que pode conter tal paixão?
A Precipitação do Ungido
A história bíblica é familiar, da vida de Davi. Ele está vivendo no deserto por estar afastado do Rei Saul, que está dominado pela paixão da inveja. Davi poupou a vida de Saul duas vezes e, deste modo, obteve uma espécie de trégua da perseguição. Samuel está morto, e Davi e seus homens estão no deserto de Parã, com poucos suprimentos.
Davi envia alguns mensageiros a Nabal, um homem rico que vivia ali perto. Nabal está preparando um banquete e Davi pede por seu favor e por suprimentos. Este pedido não é inesperado. Davi e seus homens estavam acampados perto dos pastores de Nabal. Eles não apenas se abstiveram de saquear seus rebanhos como também garantiram que ninguém mais o fizesse. Davi e seus homens eram um muro para os rebanhos de Nabal, dia e noite (1 Samuel 25:16). Nem ladrão e nem fera devastavam seu rebanho. E é à luz desta proteção que Davi faz seu humilde pedido, identificando-se como filho e servo de Nabal (1 Samuel 25:8).
Nabal responde com escárnio e insultos. "Quem é Davi? Quem é este filho de Jessé? Hoje em dia, muitos servos estão fugindo dos seus senhores" (1 Samuel 25:10-11). Em outras palavras, "Davi, você é um fora da lei indigno, um rebelde contra o rei. E eu não darei meu pão, minha água e minha carne a homens vindos sabe-se lá de onde".
Ao ouvir o insulto, Davi responde como o último Rei de Nárnia. "Ponha cada um a sua espada na cintura!" (1 Samuel 25:13). Em sua raiva, ele e seus homens imediatamente partem para vingar o insulto. E suas intenções são claras — todo homem da casa de Nabal será morto (1 Samuel 25:22). Assim como Tirian, aqui temos a paixão impulsiva da raiva, uma fúria que está prestes a levar a um grande derramamento de sangue e culpa. Mas, ao contrário de Tirian, ela está prestes a ser contida.
Como Apelar à Raiva
A contenção vem na figura de Abigail, a sábia e perspicaz esposa de Nabal. Ao saber sobre o insulto de Nabal e sobre o mal que se achegava sobre sua casa, ela imediatamente prepara uma generosa oferta de comida e vinho para Davi e seus homens. Ela traz os presentes, se prostra diante de Davi e suplica por seu favor.
Ela assume a responsabilidade. Ela atesta pela insensatez do marido. Ela dá os presentes a Davi. Mas, mais importante, ela faz dois apelos fundamentais. Primeiro, ela insta a Davi para se abster de derramar sangue inocente e de fazer justiça com as próprias mãos (1 Samuel 25:26). Ao fazê-lo, ele evitará o peso e as dores da consciência que virão se ele trouxer culpa de sangue por suas próprias mãos ou buscar salvar a si mesmo (1 Samuel 25:31). Segundo, ela relembra a Davi que o Senhor lutará por ele, que a vida de Davi está "firmemente segura como a dos que são protegidos pelo Senhor, o teu Deus" (1 Samuel 25:29).
Esses apelos refreiam a precipitação do rei. Eles prendem sua raiva, sua ira e seu desejo de vingança. Eles o capacitam para domar a paixão de sua ira impulsiva. Davi abençoa a Abigail por sua discrição e coragem, pois ela "me impediu, neste dia, de derramar sangue inocente e fazer justiça com minhas próprias mãos" (1 Samuel 25:34). E ele bendiz ao Senhor que a enviou a ele e impediu sua mão de fazer grande mal, ao prejudicar Abigail e a casa de seu marido.
E, de fato, o Senhor vingou a Davi. Dez dias depois, o Senhor fere a Nabal e ele morre, vingando assim o insulto contra o seu ungido (1 Samuel 25:39). Davi não apenas se polpa de praticar o mal, como também conquista a mão de uma esposa sábia e criteriosa.
Armas Contra Nossa Raiva
Então, como podemos aplicar sabedoria como a de Abigail para controlar nossa raiva hoje? Conforme sentimos subir a temperatura de nossas almas, paremos e lembremos a nós mesmos — e uns aos outros — primeiro, que a raiva ímpia só aumentará a iniquidade ao nosso dano, e segundo, que o próprio Senhor disse, "Minha é a vingança; eu retribuirei" (Romanos 12:19).
Essas duas histórias — uma fictícia e uma bíblica — trazem o mesmo alerta: cuidado com as paixões da carne. Elas frequentemente guerreiam contra sua alma (1 Pedro 2:11). Em sua ira, não pequem (Efésios 4:26). Lembre-se que a ira do homem não produz a justiça de Deus (Tiago 1:20). Em vez disso, confie sua vida a Deus (1 Pedro 4:19). Conte com ele para lutar suas batalhas e te justificar.
Isso não nos torna passivos; o Senhor também lutou por e com Davi quando ele empunhou sua funda contra Golias. Essa salvação, como a de Nabal, foi forjada pela mão de Deus, não pela de Davi. Mas, quando agimos na fé, o fazemos de forma intencional e ponderada, não de forma reativa ou precipitada. Confiamos que nossas vidas estão presas ao feixe dos vivos no cuidado de nosso Senhor, que sempre vivemos entre as garras do verdadeiro Aslam.