A fera que me tornei
De Livros e Sermões BÃblicos
Por Scott Hubbard Sobre Santificação e Crescimento
Tradução por Daniele Weidle
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Como levar a amargura a Deus
Às vezes, enquanto você observa a mão da providência de Deus desenhar alguma imagem em sua vida, o lápis de repente se vira e o que você pensava que seria uma flor se transforma em um espinho. A oração não respondida parecia finalmente ter sido ouvida, a esperança adiada parecia finalmente realizada, mas não. Você tenta pegar a margarida e acaba se espetando nem um cardo.
O casamento de C.S. Lewis com Joy Davidman chama a minha atenção nesse sentido. O casal se casou mais tarde, quando Joy parecia estar morrendo de câncer. Após uma oração pela cura, entretanto, Joy se recuperou inesperadamente e, talvez, milagrosamente. O amor que eles pensaram estar perdendo voltou para eles, um presente precioso, ao que parecia, das mãos de um Deus que cura.
Mas logo, o câncer retornou com força, colocando um fim em seu breve casamento. Na intensidade de sua dor, Lewis escreveu: “Uma fome nobre, há muito insatisfeita, finalmente encontrou seu alimento adequado e, quase instantaneamente, esse alimento foi arrancado” (A Grief Observed, p. 17-18). Experiências como esta mexem com a alma. Muitos perderam a sua fé após passarem por isso. Para muitos outros, esses momentos tornam-se uma porta para um mundo mais sombrio, onde Deus parece não ser tão bom quanto um dia pensamos que era. Talvez, em nosso momento mais desesperador, pensamos até que Ele seja cruel.
Muitos que entram nesse mundo sombrio não conseguem mais sair dele. Eles andam sob sombras profundas de desilusão, longe dos campos amplos e do brilho do sol de sua antiga fé. Alguns, entretanto, encontram seu caminho de volta. Encontramos uma alma dessas no capítulo 73 de Salmos.
Dias sombrios
Grande parte do Salmo 73 se passa num mundo sombrio. Asafe, o salmista, se encontra desiludido com a vida espiritual. Ele vê as pessoas que odeiam a Deus andando pela terra, prósperos, confortáveis, fortes e sadios. Não importa que eles desfilem por Jerusalém como deuses e desafiem os próprios céus (Salmos 73:3-11, NAA). “Sempre tranquilos, aumentam as suas riquezas.” (Salmos 73:12)
Enquanto isso, o piedoso Asafe sofre sem ser visto e sem ser recompensado. Por sua obediência, ele recebeu aflição; por sua devoção, repreensão (Salmos 73:14). Por fim, ele olha para suas orações, suas canções, seus anos de fidelidade e, com um gesto abrangente, diz: “Tudo em vão” (Salmos 73:13). Sua esperança morreu, ele entrou no mundo sombrio.
Quando nossas próprias esperanças são adiadas (novamente), podemos facilmente justificar nossa amargura e apatia espiritual. Sem muito esforço, podemos nos colocar como sofredores inocentes sob a mão pesada da providência de Deus, nossa frustração em relação ao céu é compreensível. Asafe, porém, olhando para si mesmo do outro lado da porta, vê algo diferente: “Eu era como um animal diante de ti” (Salmos 73:22).
Para aqueles que retornaram do mundo sombrio, as palavras de Asafe não parecerão muito duras. Eu, pelo menos, ainda posso lembrar das angústias e dos tormentos do coração de uma alma outrora desiludida. Nossa luto diante de provações dolorosas pode rapidamente se tornar aguda e nossos lamentos se transformam em grunhidos, sejam eles silenciosos ou expressos em palavras. A amargura pode tornar a alma rude e grosseira, e ela continuará assim até que Deus nos liberte do dragão (referenciando uma imagem do livro A Viagem do Peregrino da Alvorada, de Lewis).
Nos libertando do dragão
No final no salmo, Asafe voltou ao mundo radiante, onde canta novamente como uma criança cheia de esperança:
“Quem tenho eu no céu além de ti?
E quem poderia eu querer na terra além de ti?
Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam,
Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre.”. (Salmos 73:25-26)
Asafe ressurge em um mundo onde Deus é bom novamente, onde o céu e a terra não têm nada maior a oferecer a ele. A aflição pode chegar, as repreensões podem o atingir, toda a esperança pode permanecer adiada, mas Deus será a força do seu coração e sua porção abundante. A fera se transformou em homem.
Asafe foi liberto do dragão, em parte, quando “entrou no santuário de Deus” e “descobriu (o) fim” daqueles que estão longe de Deus (Salmos 73:17, 27). Mas ele também descobriu algo melhor: “No entanto, estou sempre contigo” (Salmos 73:23). Aqui está a resposta para a agitação da sua fera interior, uma resposta tão simples que podemos deixar passar o seu poder de domar. Então, considere como Asafe desdobra a resposta em três imagens e como elas podem nos encontrar nesses momentos.
“Você segurou minha mão direita.”
O perigo real de um mundo sombrio não é a dor que sentimos nele, nem a dissonância desconcertante que esses sentimentos trazem, mas a sensação da ausência de Deus. A primeira metade do Salmos 73 é sobre um mundo sem Deus, pelo menos, sem um Deus bom e próximo a nós. Mas no verso 15, as reflexões, mais ou menos ímpias, de Asafe dão lugar ao Deus que “segura minha mão direita” (Salmos 73:23). Ao voltar da porta da desilusão, ele entrou na casa de seu Pai.
Você se lembra da sensação de desolação, quando criança, ao perder seu pai de vista no meio de um mar de gente? E você se lembra do alívio, de quase chorar, quando a mão quente e familiar dele achou a sua? Às vezes, coisas semelhantes acontecem quando, no silêncio de nossos quartos, no carro ou no quintal de casa os seus pensamentos turbulentos se acalmam, sua alma amargurada respira e você encontra graça para dizer lentamente a Deus: “No entanto, estou sempre contigo, tu me seguras pela minha mão direita”.
As suas circunstâncias não mudaram, os seus problemas podem ainda estar lhe causando dor e perplexidade. Mas, de alguma forma, seus pés tropeçantes encontram uma base firme. Suas aflições encontram perspectivas mais amplas. Sua amargura se dissipa. E sob a mão de Deus, o seu coração é liberto do dragão.
“Você me guia com o teu conselho.”
Não somos deixados sozinhos nesse mundo, independentemente do quão perplexo nos sintamos. Nem somos deixados sem direção. Nós temos um Deus, que nos guia; não temos apenas uma presença, mas um caminho. Ele segura nossa mão para nos certificar de sua proximidade e também para nos guiar de volta para casa através desse deserto desconcertante. “Você me guia com o teu conselho” (Salmos 73:24).
O “conselho” de Deus, suas Escrituras, não nos dizem tudo o que gostaríamos de saber, nem de longe. Não sabemos por que uma recuperação aparentemente milagrosa se transformou em morte. Não sabemos por que um relacionamento à beira da restauração acaba desmoronando. Não sabemos por que o coração de um ente querido, tão próximo ao arrependimento, de repente se endurece. Mas chegar ao lar não depende de conhecer os mistérios que Deus escondeu, mas de receber as palavras que Ele revelou.
E Ele não nos guia como alguém que nunca trilhou esse caminho. O Getsêmani pressionou e deixou nosso Senhor Jesus tão perturbado que Ele suou sangue e orou por uma saída. Ninguém enfrentou uma provação tão amarga, ninguém tinha mais motivos para se tornar amargo e abandonar os conselhos de Deus. No entanto, nenhuma vida demonstrou de forma mais brilhante que seguir os conselhos de Deus nunca nos envergonhará. Pois, agora, o túmulo escuro está vazio.
Somos como crianças aqui e o porquê do nosso Pai, muitas vezes, foge do nosso entendimento. Mas o Seu conselho não. Assim, enquanto as feras seguem seus próprios instintos, os filhos de Deus dizem: “Seguirei o seu conselho enquanto durar a noite e mesmo que o amanhecer nunca chegue nesta vida”.
“Depois disso, me receberá na glória.”
Está chegando o dia em que a mão que segura se tornará um rosto a ser contemplado e o caminho sinuoso, um lar estável. Há um depois para as perguntas sem resposta e os pontos em aberto desta vida. E nesse depois Ele “me receberá na glória” (Salmos 73:24).
Saber sobre o depois mudou tudo para Asafe. Ele não invejava mais os ímpios prósperos quando “descobriu o seu fim” (Salmos 73:17) e não sentia mais pena de si mesmo quando entendeu o seu. A aflição pode durar uma noite, mas a glória chega pela manhã. O mesmo se aplica a nós. Se sabemos que estamos indo para um mundo maravilhoso, onde não haverá mais perguntas angustiantes nem lágrimas escorrendo pelo rosto (Apocalipse 21:4), então a ponta mais afiada do nosso sofrimento é amenizada.
No presente, muitas vezes precisamos nos expressar como Paulo: “Estamos... perplexos” (2 Coríntios 4:8). Mas, no futuro, a dissonância espiritual desta era se transformará em uma harmonia que vai além do que podemos imaginar, quando a mão que nos segurou e nos guiou durante toda a vida nos receber na porta de Sua casa, sem qualquer dúvida ou perigo.
O fim da jornada sombria
Em um momento de sua dor, Lewis se pergunta se tem tratado Deus como seu objetivo ou como seu caminho. Ele andou ao longo de cada boa dádiva como um caminho que leva a Deus ou tentou andar através de Deus como um caminho que leva a algum lugar? Lewis continua dizendo: “Ele não pode ser usado como um caminho. Se você está se aproximando Dele como um caminho, um meio e não como um objetivo, um fim, você não está realmente se aproximando Dele” (A Grief Observed, p. 68).
Muitas vezes, nossa própria transformação ocorre quando, como Asafe, passamos a entender Deus como objetivo e não como caminho ou, talvez ainda melhor, como objetivo e caminho. Nossa grande necessidade não é desvendar os nós aparentes na providência de Deus, como se meras respostas pudessem domar a fera interior. O que precisamos, agora e sempre, é de uma mão nas rédeas, uma presença sussurrada para nos acalmar. Pois o próprio Deus é o caminho e o fim, o caminho e o lar, a presença aqui e a porção eterna.
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