A Severa Bondade de Jesus
De Livros e Sermões BÃblicos
Por Jon Bloom Sobre Santificação e Crescimento
Tradução por Ana Cristina Bonetti
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Ouvindo Misericórdia em Suas Duras Palavras
Jesus tem uma reputação popular de ser um mestre e curador gentil e humilde, que chama os doentes, os envergonhados e os pecadores para virem a ele e receber sua graça e bondade. E por um bom motivo: Jesus é a pessoa mais fundamentalmente gentil e graciosa que você vai encontrar.
Mas, se você se aproxima dele esperando experimentar apenas o lado reconfortante de sua graça e bondade, você pode se surpreender. Porque Jesus também é a pessoa mais criteriosa e honesta que você vai encontrar. E por "honesta" quero dizer que ele costuma ser mais honesto do que você gostaria que ele fosse. Ele pode ser implacavelmente honesto — ao ponto de às vezes parecer cruel, e não gentil.
Jesus tem uma capacidade desconcertante de destruir todos os seus equívocos, desilusões e autoengano com uma frase simples que expõe os pensamentos e intenções secretas do seu coração — aqueles que você mal sabia que tinha. Ele exerce seu discernimento com a inocência de uma pomba e a sabedoria de uma serpente, o que pode torná-lo imprevisível. Às vezes ele pode ser severo quando se espera que seja gentil, e gentil quando se espera que seja severo. Muitas vezes, você nem imagina suas declarações reveladoras.
Portanto, quando você vier a Jesus, certamente espere receber sua graça e bondade. Mas não espere que elas sejam sempre reconfortantes. Porque, às vezes, sua bondade é severa e nada confortante.
Veio para Descansar ou Morrer?
Nos relatos dos Evangelhos, Jesus convida as pessoas a irem até ele diversas vezes. Mas, às vezes, esse convites soam radicalmente diferentes. Vamos analisar dois deles.
Estamos todos familiarizados com o primeiro caso porque é uma das declarações mais conhecidas, amadas e reconfortantes que Jesus já proferiu:
Venham a mim todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu darei descanso a vocês. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para a alma. Pois o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve. (Mateus 11:28-30)
Esse convite revela explicitamente o Jesus gentil e humilde que, por boas razões, achamos tão atraente. Alinha-se com o Jesus do imaginário popular que convida almas cansadas a irem a ele receber a graça repousante e revigorante.
Mas o segundo convite revela uma dimensão diferente da graça de Jesus e tem um efeito muito diferente em seus ouvintes:
Se alguém vem a mim e ama o pai, a mãe, a mulher, os filhos, os irmãos, as irmãs e até a própria vida mais do que a mim, não pode ser meu discípulo. Aquele que não carrega a sua cruz e não me segue não pode ser meu discípulo. (Lucas 14:26-27)
Esse convite não condiz muito bem com a reputação reconfortante de Jesus. Na verdade, soa mais como um desconvite. Ao invés de confortante, o achamos perturbador.
Se esse convite é perturbador para nós, que o ouvimos muitas vezes, imagine o quão ofensivo e desorientador teria soado para o seu público judeu original, que o ouviu de seus lábios — a maioria dos quais pensava que realmente queria segui-lo. Eles haviam sido ensinados desde a infância a honrar seu pai e sua mãe se quisessem que Deus os abençoasse com vidas longas (Êxodo 20:12). Agora Jesus ordenou que odiassem seus pais (assim como a seus irmãos e filhos) se eles quisessem segui-lo. E longe de prometer-lhes uma vida terrena longa e abençoada, Jesus exigiu que aceitassem uma sentença de morte se quisessem ser seus discípulos — na verdade, a pior sentença de morte imaginável: a crucificação romana.
O segundo convite é tão relevante para nós, discípulos atuais, quanto para os primeiros. Então, onde está a bondade de Jesus neste convite severo?
O Que Jesus Veio Revelar
Poderíamos considerar muitas outras palavras desorientadoras de Jesus. Como quando ele nos disse não apenas para odiar aqueles que nos amam (como em Lucas 14:26-27), mas também para amar aqueles que nos odeiam (Mateus 5:43-45). Ou quando ele disse a um possível discípulo para sacrificar as necessidades de seu pai doente (Lucas 9:59-60). Ou quando Ele disse a outro possível discípulo para abandonar abruptamente todos aqueles que ele mais amava — e suportar a incompreensão, a mágoa e o desprezo que sentiriam por ele (Lucas 9:61-62).
Para perceber a bondade de Jesus em seus convites severos, desconfortáveis e perturbadores, precisamos ter em mente o que Ele está fazendo através de suas palavras e obras:
- Primeiro, Jesus está revelando como Deus é em sua plena natureza trina.
- Segundo, Jesus está revelando como nós somos em nossa plena natureza caída.
Creio que é correto dizer que Jesus realizava ambos os tipos de revelações em tudo que dizia e fazia, embora algumas de suas palavras e obras revelem mais de uma do que da outra. Mas ambas revelações são graciosas e gentis e ambas necessárias para que seu evangelho faça sentido para nós.
Como Deus É
Nos ensinamentos e atos de Jesus, que lhe renderam a reputação de amoroso, gentil e perdoador — tipificados em seu belo e reconfortante convite aos cansados e sobrecarregados (Mateus 11:28-30) — ele revela a natureza fundamental de Deus: "Deus é amor" (1 João 4:16). A principal razão pela qual Jesus veio foi para revelar esse amor:
Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por meio dele. (João 3:16-17)
Jesus veio anunciar as boas novas de que Deus — por causa do amor insondável e misericordioso que jorra do âmago do seu ser trino — está oferecendo a cada um de seus inimigos, perdão e reconciliação completos. E Jesus veio realizar tudo o que era necessário para tornar esse perdão e reconciliação possíveis, recebendo, por meio de sua própria morte em nosso lugar, "o salário do pecado" que acumulamos (Romanos 6:23). É assim que Deus é: disposto a amar seus inimigos a ponto de morrer em nosso lugar para nos tornar seus filhos (1 João 3:1).
Isso, acima de tudo, diferencia Jesus de líderes abusivos e narcisistas que poderiam usar palavras gentis ou duras para manipular e enganar as pessoas em benefício próprio. Pois ele não veio "para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Mateus 20:28). Quando ele falava severamente, o fazia, em última análise, por razões gentis, graciosas e de coração servil — uma das quais era nos ajudar a ver mais claramente nossos próprios pensamentos pecaminosos, intenções e amores idólatras.
Como Nós Somos
Quando Jesus nos perturba e desorienta, quando ele nos ofende e nos faz estremecer, é útil lermos suas palavras através das lentes de João 3:19:
Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram as trevas no lugar da luz, porque as suas obras eram más.
Jesus não veio apenas para nos revelar o amor de Deus; ele também foi "destinado a causar a queda e o levantamento de muitos em Israel... de modo que os pensamentos do coração de muitos sejam revelados" (Lucas 2:34-35). Ele veio para nos revelar os nossos corações.
É isso que frequentemente acontece quando Jesus faz seus convites e respostas ofensivos. É por isso que o ouvimos fazer afirmações desconcertantes, até mesmo repulsivas, como fez depois de alimentar os cinco mil e dizer, "Todo aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna" (João 6:54). Isto provocou muitos a responderem, "Dura é essa palavra. Quem pode suportá‑la?" (João 6:60). Jesus exerce discernimento e sabedoria sobrenaturais ao convocar suas ovelhas (inimigos que receberão sua oferta do evangelho de perdão e reconciliação) em meio aos lobos (inimigos que não receberão a oferta do evangelho). O Senhor, "que conhece o coração de todos" (Atos 1:24), estava revelando esses corações.
E por meio de suas palavras, às vezes cruéis, Jesus ainda está revelando nossos corações, o que realmente, verdadeiramente valorizamos. "Pois, onde estiver o seu tesouro, ali também estará o seu coração" (Mateus 6:21).
Considerem Sua Severa Bondade
Em Romanos 11:22, Paulo, falando da misericórdia de Deus e de seu julgamento, escreve, "Portanto, considere a bondade e a severidade de Deus" (NVI). Mas, ao falar das duras palavras de Jesus, podemos dizer, "Considerem a severa bondade de Deus". Porque se Jesus não nos revelar a falsidade do nosso pecado, podemos continuar a ser iludidos por ele e nunca obter "a gloriosa liberdade dos filhos de Deus" (Romanos 8:21).
Assim, quando Jesus, por um lado, nos estende seu reconfortante convite para irmos a ele e encontrarmos descanso para nossas almas (Mateus 11:29) e, por outro lado, nos lança seu incômodo aviso de que a menos que renunciemos a tudo que temos, não podemos ser seus discípulos (Lucas 14:33), ele não está sendo contraditório. Ele está falando a partir do seu único coração, gracioso e bondoso, revelando tanto o incomparável amor de Deus por nós quanto se amamos a Deus ou não. O primeiro tem a intenção de nos confortar; o segundo, de nos testar.
Mas a todos os que o recebem — quem ouve suas palavras ofensivas e, por fim, diz, "Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna" — Jesus concede "a autoridade de se tornarem filhos de Deus" (João 6:68; 1:12). E esses filhos descobrem que a grande "pedra de tropeço e rocha que faz cair" de Sião (Romanos 9:33) estava, em cada palavra e ação, sempre perseguindo-os com bondade e misericórdia, para que pudessem habitar em sua casa para sempre (Salmos 23:6).
E estes então saberão plenamente o que Jesus quer dizer quando afirma, "Bem-aventurado aquele que não tropeça por minha causa" (Mateus 11:6).