Duas Religiões Rivais?
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Edição actual tal como 01h56min de 2 de março de 2011
Por Albert Mohler Jr. Sobre Liberalismo
Tradução por Editora Fiel
Em 3 de novembro de 1921, J. Gresham Machen apresentou uma mensagem intitulada Liberalismo ou Cristianismo? Nessa famosa mensagem, ampliada posteriormente no livro Cristianismo e Liberalismo, Machen argumentou que o cristianismo evangélico e o seu rival, o cristianismo liberal, eram na realidade duas religiões diferentes.
O argumento de Machen se tornou uma das questões de controvérsia no debates Fundamentalistas/Modernistas dos anos 1920 e seguintes. De acordo com qualquer padrão de avaliação, Machen estava absolutamente certo – o movimento que se designava como cristianismo liberal estava erradicando as doutrinas centrais da fé cristã, enquanto continuava a afirmar o cristianismo como “um caminho de vida” e um sistema de significado.
“O maior rival moderno do cristianismo é o liberalismo”, afirmou Machen. “O liberalismo moderno perdeu de vista duas grandes pressuposições da mensagem cristã – o Deus vivo e a realidade do pecado”, ele argumentou. “A doutrina liberal a respeito de Deus e do homem são contrárias ao ponto de vista cristão. Contudo, a divergência se refere não somente às pressuposições da mensagem, mas à própria mensagem.”
Howard P. Kainz, professor emérito de Filosofia, na Marquette University, propõe um argumento semelhante, advertindo que agora o liberalismo secular moderno se apresenta como o maior rival ao cristianismo ortodoxo.
Observando a divisão básica da cultura americana, Kainz comenta: “A batalha é mais intensa onde crentes ortodoxos tradicionais entram em conflito com certos liberais que são religiosamente comprometidos com o liberalismo secular”.
Kainz oferece um discernimento essencial, sugerindo que um dos mais importantes fatores na divisão cultural é que as pessoas de ambos os lados estão profundamente comprometidas com seus próprios credos e cosmovisão – ainda que, por um lado, esses credos sejam seculares.
“Isto explica por que falar sobre aborto ou casamento de pessoas do mesmo sexo, por exemplo, com certos liberais é, em geral, inútil. É como tentar persuadir um muçulmano comprometido com sua crença a aceitar a Cristo. A sua religião o proíbe. Ele não pode aceitar a Cristo visto que se mantém firmemente comprometido com o islamismo – a menos que ele venha a ser convertido ao cristianismo. O mesmo é verdade quanto aos liberais: a sua ‘religião’ proíbe qualquer concessão à agenda ‘conservadora’; e, uma vez que permanecem comprometidos com sua ideologia secular, é fútil esperar tais concessões da parte deles.”
O argumento de Kainz possui traços semelhantes não somente às observações de Machen, mas também ao entendimento de Thomas Sowell quanto à cultura como um todo. Em A Conflict of Visions (Um Conflito de Visões), Sowell propôs que a divisão ideológica básica de nosso tempo é aquela que existe entre os que defendem uma “visão restrita” e aqueles que defendem uma “visão irrestrita”. Ambas as cosmovisões são, nas operações atuais da vida, reduzidas a certos “sentimentos íntimos” que operam de modo bem semelhante a convicções religiosas.
Kainz admite que alguns resistirão à sua designação do secularismo como uma religião. “A religião, no seu sentido mais comum e habitual, implica dedicação a um ser ou seres supremos”, ele reconhece. Entretanto, “especialmente nos últimos séculos, ‘religião’ assumiu as conotações adicionais de dedicação a princípios ou ideais abstratos, em vez de dedicação a um ser pessoal”, ele insiste. Kainz data no Iluminismo Francês e sua adoração idólatra da Razão o surgimento desta religião secular.
Considerando o século passado, Kainz afirma que o marxismo e o liberalismo ideológico têm funcionado como sistemas religiosos para milhões de pessoas. Considerando especificamente o marxismo, Kainz argumenta que, como religião, o marxismo tinha dogmas, escrituras canônicas, sacerdotes, teólogos, observâncias rituais, paróquias, heresias, hagiografia e, até, escatologia. Os dogmas do marxismos eram seus principais ensinos, incluindo o determinismo econômico e a “ditadura do proletariado”. Suas escrituras canônicas incluíam os escritos de Marx, Lênin e Mao Tsé Tung. Seus sacerdotes eram aqueles guardiões da pureza marxista que agiam como teoristas ideológicos do movimento. Suas observâncias ritualistas incluíam ações desde greves de operários até passeatas. A escatologia marxista deveria consumar-se na aparição do “homem comunista” e da nova era de utopia marxista.
De modo semelhante, Kainz argumenta que o liberalismo secular moderno inclui seus próprios dogmas. Entre esses estão as crenças de “que a humanidade tem de aniquilar a superstição religiosa por meio da Razão; que a ciência empírica pode responder e, no final, responderá todas as perguntas sobre o mundo e os valores humanos que antes eram referidos como religião ou teologia tradicionais; que a raça humana, por invalidar e menosprezar constantemente as tradições obstruidoras, pode atingir e atingirá a perfectibilidade”.
Kainz também argumenta que o liberalismo contemporâneo adotou seletivamente a linguagem do Novo Testamento, interpretando a admoestação de Jesus: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” como um alicerce para o “secularismo absoluto”, preservado na linguagem de separação entre a Igreja e o Estado. Assim, “a religião é reduzida a algo puramente particular”.
O liberalismo secular também identifica certos pecados como “homofobia” e sexismo. Como Kainz o vê, as escrituras seculares enquadram-se em duas categorias amplas: “Darwinismo e escritos científicos que sustentam explicações materialistas e naturalistas para tudo, incluindo a moral; e escritos feministas que expõem o mal do patriarcado e traçam a exploração das mulheres por parte dos homens durante toda a História até ao presente”.
Os sacerdotes e sacerdotisas do liberalismo secular constituem sua “elite sacerdotal” e tendem a ser os intelectuais que podem expor os valores liberais em praça pública. As congregações em que os liberais se reúnem incluem organizações como Paternidade Planejada, União Americana das Liberdades Civis, Organização Nacional de Mulheres e outras semelhantes (nos Estados Unidos). Esses grupos “ajudam a prover um senso de filiação e comunidade para os religiosamente liberais”.
As cerimônias e rituais do liberalismo secular incluem paradas de “orgulho gay” e passeatas em favor do aborto. Interessantemente, a escatologia desse movimento é, Kainz argumenta, a destilação do pragmatismo. “Na estimativa dos religiosamente liberais”, ele afirma, “ todos os estilos e todas as moralidades podem aproximar-se deste alvo, contanto que os pecados não liberais proscritos sejam evitados”.
Kainz admite prontamente que nem todos os liberais estão comprometidos com essa visão religiosa do liberalismo. Conforme ele vê, “há muitos que trabalham por justiça social, pelos direitos humanos, por solidariedade internacional ou por outras causas reputadas comumente como liberais, mas não têm um profundo compromisso ideológico”. Kainz ressalta que conservadores podem achar uma causa e um fundamento de cooperação comum com esses liberais não comprometidos religiosamente.
“Para muitos liberais ‘moderados’, o liberalismo é uma perspectiva política, não uma ideologia essencial”, Kainz observa. “Na cultura de guerra, é importante que o cristão estabeleça a diferença entre o liberal religiosamente comprometido e o liberal moderado. Os cristãos não devem ficar surpresos quando não acharem uma base comum com aqueles; e podem formar alianças ocasionais, desde que temporárias, com estes.”
Kainz não desenvolve este ponto: todas as pessoas estão, à sua maneira, profundamente comprometidas com sua própria cosmovisão. Afinal de contas, não há possibilidade intelectual de absoluta neutralidade – não entre os seres humanos.
Esta idéia de que o presente conflito cultural assemelha-se a uma luta entre duas religiões rivais é instrutiva e humilhante. No nível político, essa avaliação deve servir como um aviso de que nossas atuais divisões ideológicas provavelmente não desaparecerão logo. No nível mais profundo da análise teológica, este argumento serve para recordar aos cristãos que a evangelização continua sendo um elemento central em nossa missão e propósito. Aqueles que se concentram nas questões meramente políticas focalizam-se nos detalhes, enquanto não discernem todo o panorama da situação, e confundem as coisas temporais com as eternas.