Irmãos, Vamos Interrogar o Texto
De Livros e Sermões BÃblicos
Por John Piper Sobre Ministério Pastoral
Tradução por Gertrudes Mendonca
Se a Bíblia é coerente, então entender a Bíblia significa compreender a forma como as coisas se ajustam mutuamente. Tornar-se um teólogo da Bíblia significa ver cada vez mais peças que se ajustam mutuamente num glorioso mosaico da divina vontade. E praticar exegese significa interrogar o texto sobre a forma como muitas proposições são coerentes na mente do autor.
Se nós vamos alimentar o nosso povo, devemos sempre avançar no nosso entendimento de verdade bíblica. E para avançarmos no nosso entendimento da verdade bíblica, devemos preocupar-nos pelas afirmações bíblicas.
Deve incomodar-nos que Jaime e Paulo não parecem escarnecer. Apenas quando estamos perturbados e aborrecidos é que pensamos muito. E se nós não pensarmos muito sobre a forma como as afirmações bíblicas se ajustam mutuamente, nunca iremos penetrar na sua raiz comum nem descobrir a beleza da verdade divina unificada. O resultado final é que a nossa leitura da Bíblia se tornará insípida, iremos ficar fascinados pela “literatura secundária”, os nossos sermões serão como o trabalho duvidoso de “vendedores em segunda mão” e as pessoas terão fome.
“Nós nunca pensamos até sermos confrontados com um problema”, afirmou John Dewey. Ele estava certo. E é por isso que nós nunca pensamos muito sobre a verdade bíblica antes de sermos perturbados com a sua complexidade.
Devemos adquirir o hábito de estarmos sistematicamente perturbados por coisas que, ao primeiro olhar, não fazem sentido. Ou, colocando de outra forma, devemos interrogar o texto sem cessar. Uma das maiores honras que recebi enquanto ensinava em Bethel foi quando os assistentes de ensino no departamento da Bíblia me deram uma T-shirt com as iniciais de Jonathan Edwards na frente com as seguintes palavras nas costas: “Fazer perguntas é a chave para o entendimento.”
Mas existem algumas forças fortes que se opõem à nossa interrogação incansável e sistemática de textos bíblicos. Uma dessas forças é aquela que consome muito tempo e energia numa pequena porção das Escrituras. Fomos ensinados na escola (de forma muito errónea) que existe uma correlação directa entre ler muito e aquisição de conhecimento. Mas na verdade não existe correlação positiva nenhuma entre a quantidade de páginas lidas e a qualidade de conhecimento adquirido. Muito pelo contrário.
Excepto no que se refere a poucos génios, o conhecimento diminui à medida que tentamos ler cada vez mais. O conhecimento ou entendimento é o produto de meditação intensiva, que produz dores de cabeça, sobre dois ou três versículos e sobre a forma como eles se ajustam mutuamente. Este tipo de reflexão e meditação é provocado quando interrogamos o texto. E você não pode fazer isso com pressa. Portanto, devemos resistir à pressa enganadora de esculpir com detalhes a nossa arma bibliográfica. Demore duas horas a fazer dez perguntas a Gálatas 2:20 e você vai ganhar cem vezes a compreensão que teria obtido depois de ler 30 páginas do Novo Testamento ou qualquer outro livro. Vá devagar. Interrogue. Pondere. Rumine.
Uma outra razão pela qual é difícil gastar horas a experimentar as raízes da coerência consiste em que é hoje fundamentalmente pouco popular sistematizar e procurar a harmonia e unidade. Esta busca nobre tornou-se difícil porque tem sido descoberta tanta harmonia artificial por defensores impacientes e nervosos da Bíblia.
Mas se a mente de Deus é verdadeiramente coerente e não confusa, então a exegese deve pretender ver a coerência da revelação bíblica e a unidade profunda da divina verdade. A não ser que nos dediquemos para sempre à superfície das coisas (satisfeitos por descobrirmos “tensões” e “dificuldades”) então devemos resistir a modas atomizadas (e basicamente anti-intelectuais) no estabelecimento teológico contemporâneo. Existe muito descrédito de erros passados e muito pouca construção em andamento.
Uma terceira força que se opõe ao esforço de interrogar a Bíblia é o seguinte: Fazer perguntas é o mesmo que colocar problemas e nós temos sido desencorajados durante toda a nossa vida de encontrarmos problemas no Livro Sagrado de Deus.
É impossível respeitar muito a Bíblia, mas é muito possível respeitá-la de forma errada. Se nós não perguntarmos seriamente como é que textos diferentes se ajustam mutuamente, então somos ou super-humanos (e olhamos toda a verdade num relance) ou indiferentes (e não nos incomodamos em conhecermos melhor a verdade).
Mas eu não considero que alguém que seja indiferente ou super-humano possa ter um respeito adequado pela Bíblia. Portanto, a reverência pela Palavra de Deus exige que nós façamos perguntas e coloquemos problemas que nós acreditemos que existem respostas e soluções que irão recompensar o nosso trabalho com “tesouros novos e antigos” (Mat. 13:52). Devemos treinar o nosso povo que não é irreverente ver dificuldades no texto bíblico e pensar muito sobre a forma como elas podem ser resolvidas.
Eu não acuso o meu irmão de 6 anos, Benjamim, de irreverência quando ele não consegue perceber o sentido de um versículo da Bíblia e me faz perguntas sobre isso. Ele começou agora a aprender a ler. Mas será que as nossas capacidades de ler são perfeitas? Algum de nós pode compreender a leitura da lógica de um parágrafo e ver a forma como cada parte se relaciona com todas as outras e a forma como todas se ajustam mutuamente para fazer um ponto unificado? Muito menos o pensamento de uma epístola inteira, quanto mais o Novo Testamento ou a Bíblia! Se nós nos preocuparmos com a verdade, devemos interrogar incansavelmente o texto e adquirir o hábito de nos incomodarmos com as coisas que lemos.
Isto é apenas o contrário de irreverência. É aquilo que fazemos se imploramos a mente de Cristo. Nada nos envia mais profundamente aos conselhos de Deus do que vermos aparentes discrepâncias teológicas na Bíblia e pensarmos sobre elas dia e noite até que se ajustem num sistema emergente de verdade unificada. Por exemplo, há um ano lutei durante dias sobre a forma como Paulo conseguiu afirmar por um lado, “Não sinta ansiedade sobre nada” (Phil. 4:5) mas por outro lado dizer (com aparente impunidade) que a sua “ansiedade por todas as igrejas” era uma pressão diária sobre ele (2 Cor. 11:28). Como conseguiu ele afirmar “Regozije-se sempre” (1 Thess. 5:16), e “Chore com aqueles que choram” (Rom. 12:15)? Como conseguiu ele dizer para agradecermos “sempre e por tudo” (Eph. 5:20) e depois admitir “Tenho uma grande pena e uma angústia incessante no meu coração” (Rom. 9:2)?
Mais recentemente perguntei O que significa aquilo que Jesus disse em Mateus 5:39 para dar a outra face quando lhe batessem, mas disse em Mateus 10:23, “Quando eles te perseguirem numa cidade, foge ...”? Quando você foge e quando suporta as dificuldades e oferece a outra face? Também tenho pensado em que sentido é verdade que Deus é “lento em zangar-se” (Ex. 34:6) e em que sentido “A Sua ira é rapidamente acesa” (Ps. 2:11).
Existem centenas e centenas de discrepâncias deste tipo nas Sagradas Escrituras e nós desonramos o texto quando não as vemos e quando não as analisamos. Deus não é um Deus de confusão. A sua língua não é bifurcada. Existem resoluções profundas e maravilhosas para todos os problemas. Ele tem-nos chamado para uma infinidade de descobertas de modo que todas as manhãs durante as eras vindouras nós devemos irromper em novas canções de glorificação.
Em 2 Timóteo 2:7 Paulo dá-nos uma ordem e uma promessa. Ele ordenou, “Pensem no que eu digo.” E ele prometeu, “Deus te dará compreensão de tudo.
Como é que se ajustam mutuamente a ordem e a promessa? O título “para” dá a resposta. “Pensem .... porque Deus irá recompensá-lo pela sua compreensão.”
A promessa não é feita a todos. É feita para aqueles que pensam. E nós não pensamos até sermos confrontados com um problema. Por isso, irmãos, vamos interrogar o texto.