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Por Mark Dever Sobre Evangelho

Tradução por Editora Fiel


Bob, um calouro na universidade, se convenceu da doutrina da eleição e passou a ter um forte desejo de convencer as demais pessoas. Ele encontra-se no primeiro “estágio de empolgação e hiper-atividade” do calvinismo.

Imagine as conversas dele com seus amigos, com seus colegas da faculdade, com as pessoas na igreja.

Tudo se torna uma ilustração da soberania de Deus. Bob não quer falar de outra coisa, e se você discordar dele, é melhor ter cuidado!

A pergunta que fica para você e para mim é a seguinte: quando ensinamos a verdade às pessoas, nós o fazemos com orgulho e arrogância condescendentes — sabemos de algo que elas não sabem? Ou ensinamos com a humildade de um mendigo dividindo seu pão com outro?

Transigir é ruim. Cooperar é bom. Mas, como diferenciar uma coisa da outra? Quais são as principais posições doutrinárias pelas quais precisamos lutar? E, dentre as demais posições, a respeito de quais podemos discordar com tolerância e amor?

Gostaria de refletir sobre como é possível encorajarmos uns ao outros a defender a verdade com humildade fazendo seis perguntas:

  1. Seguimos ordens de purificar ou de conciliar?
  2. Quais são algumas das lutas que os cristãos habitualmente têm?
  3. Qual é o propósito específico da cooperação?
  4. Sobre o quê os cristãos devem concordar? (princípios essenciais)
  5. Sobre o quê os cristãos podem discordar? (princípios não-essenciais)
  6. Como os cristãos podem discordar apropriadamente?

Tabela de conteúdo


1. SEGUIMOS ORDENS DE PURIFICAR OU DE CONCILIAR?

Em primeiro lugar, seguimos ordens de purificar ou de conciliar?

O problema básico

Creio que a maioria dos cristãos reconhece um problema com o qual nos deparamos: vivemos num mundo caído onde a verdade nem sempre é bem-vinda. O que é verdadeiro não é necessariamente igual ao que é popular.

Assim como o D. Martyn Lloyd-Jones disse: “Houve períodos na história quando a preservação da própria vida da igreja dependeu da capacidade e prontidão de grandes líderes ao diferenciar a verdade do erro e ousadamente defender o que é bom e rejeitar o que é falso. Entretanto, nossa geração não gosta de nada que seja assim. Ela é contra qualquer demarcação clara e precisa da verdade e do erro.” (D. Martyn Lloyd-Jones, Mantendo a Fé Evangélica Hoje [São Paulo: PES])

Não deveríamos nos surpreender com épocas como a nossa, quando as pessoas se opõem a distinguir a verdade do erro. Em sua última carta, Paulo adverte: “Haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas” (2Tm 4.3-4).

Será que Paulo estava simplesmente paranóico – concentrado demais em idéias sobre a verdade? Acho que não. O Senhor Jesus ensina que estejamos de sobreaviso. Foi Ele que ensinou: “Surgirão falsos cristos e falsos profetas, operando sinais e prodígios, para enganar, se possível, os próprios eleitos. Estai vós de sobreaviso” (Mc 13.22-23).

Como ficamos de sobreaviso? Devemos admitir que todos tendemos a aceitar demais (menosprezando assim o chamado de Deus para sermos puros e subestimando sua verdade) ou restringir demais (desprezando assim a generosidade do amor de Deus e os surpreendentes exemplos de sua obra).

Você percebe como isso acontece? Ao colocar a Palavra de Deus contra si mesma; ao colocar um aspecto do caráter de Deus contra outro – digamos, sua santidade contra seu amor – na verdade nos confundimos e machucamos as pessoas. Em vez disso, o que deveríamos fazer é crescer em nosso conhecimento da Palavra de Deus e de nosso próprio coração. Então estaremos mais sintonizados com a sua verdade conforme Ele a tem revelado — tanto no que se refere ao seu chamado para a santidade quanto no chamado para o amor.

A verdade e a humildade não deveriam ser inimigas. Na verdade, elas são grandes amigas e o crescimento real em uma delas deveria conduzir ao crescimento na outra.

Contudo, muito frequentemente nos tornamos uma caricatura de nossas inclinações. Ou nos tornamos pessoas que buscam conciliar ou que buscam a purificar.

As pessoas que buscam conciliar

As pessoas que buscam conciliar amam capítulos da Bíblia como João 17. Elas percebem claramente que nossa união com Deus em Cristo, e que nosso amor uns pelos outros demonstram o amor de Deus por nós (como Jesus ensinou em João 13.34-35). Elas amam os textos bíblicos sobre o amor:

Nas últimas décadas temos visto muitos movimentos conciliadores entre cristãos professos. Há o velho ecumenismo liberal — “vamos juntar todas as denominações”. Há os ministérios para-eclesiásticos que reúnem pessoas de igrejas diferentes a fim de compartilhar o evangelho — desde Billy Graham até a Cruzada Estudantil. Há o movimento carismático que tem ajudado a produzir companheirismo entre igrejas que se encontravam afastadas havia muito tempo, e recentemente tem acontecido o que podemos chamar de Great Traditionalism, o qual se alicerça num “antigo denominador comum”. Vemos isso na atual moda de alguns evangélicos que usam métodos e coisas associadas ao catolicismo romano e à ortodoxia oriental como auxílio para a piedade.

A multidão conciliadora veste camisetas com mensagens do tipo: “a doutrina divide”, “o amor une” ou “missões unem”. Foi desse grupo que surgiu um bispo que disse, não muito tempo atrás, o seguinte: “a heresia é melhor do que a divisão”. Esses minimalistas doutrinários desejam “nenhum credo, exceto Cristo; e nenhuma lei, exceto o amor”.

As pessoas que buscam purificar

As pessoas que buscam purificar são o oposto das que buscam conciliar. Elas desejam pureza na doutrina e na vida. Desejam pureza em nossas igrejas, em nossas escolas cristãs e em nossos seminários.

Essas pessoas levam a sério o mandamento bíblico de separar-se. Elas conhecem bem 2João 1: “Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas. Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das suas obras más” (vv.10-11).

Ou a advertência de João em sua primeira carta: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (4.1).

Há também as advertências de Paulo: “Que vos aparteis de todo irmão que ande desordenadamente e não segundo a tradição que de nós recebestes” (2Ts 3.6).

E também: “Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas?... Por isso, retirai-vos do meio deles, separai-vos, diz o Senhor” (2Co 6.14,17).

Adicione a esses textos, aquele que trata da disciplina na igreja, 1Coríntios 5, por exemplo, assim como a ordem de Judas: “Me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3).

Aqueles que batalham pela fé são os fundamentalistas e menonitas conservadores entre nós. Esses irmãos e irmãs são mais prontos a batalhar do que a conciliar.

Se você está tentado a citar para essas pessoas o que Jesus disse em Mateus 7.1 — “Não julgueis, para que não sejais julgados.” — você deveria olhar um pouco mais abaixo, na mesma página, para o versículo 15 do mesmo capítulo, onde Jesus ensinou: “Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores” (7.15). E, é claro, foi Jesus, em Mateus 18, que ordenou que a igreja expulsasse de seu meio os pecadores que não se arrependem!

As pessoas que buscam a pureza parecem ter o ministério profético da correção, assim como os puritanos foramestereotipados. Talvez os sapatos deles fossem apertados demais e os aborrecessem. Essa forma de lidar com as coisas pode se assemelhar com a atitude: “Atire primeiro e pergunte depois”.

Conforme refletimos sobre essas pessoas — aquelas que buscam conciliar e aquelas que buscam purificar — a pergunta que queremos fazer a nós mesmos é: como conseguimos o melhor delas? Como extrair o desejo bíblico pela conciliação e transigência assim como pela verdade e santidade?

2. QUAIS SÃO ALGUMAS DAS LUTAS QUE OS CRISTÃOS HABITUALMENTE TÊM?

Agora, consideremos outra questão: quais são algumas das lutas que os cristãos habitualmente têm?

Há muitas lutas dentre as quais podemos selecionar algumas. Devemos orar pelos mortos? A Reforma Protestante terminou? Devemos apoiar grandes encontros evangelísticos que encaminham para a igreja mais próxima aqueles que se apresentam como convertidos? O quarto mandamento, a respeito do sábado, se aplica aos dias de hoje? Devemos cantar hinos ou cânticos? Órgãos ou guitarras? Deus elege aqueles que Ele prevê que crerão ou simplesmente elege? Ainda há dons sobrenaturais? Ainda se profetiza hoje? As igrejas deveriam aceitar de volta ao seu meio cristãos arrependidos que negaram a Cristo em tempos de perseguição? As igrejas devem ser lideradas por sacerdotes, por um único pastor ou por um bispo que estivesse à frente de todas as igrejas da cidade? Qual é o efeito do batismo? Quem deve ser batizado? Quem deve batizar? Como deveriam batizar? O batismo deve preceder a membresia? A Bíblia é a única autoridade da igreja? Ela é suficiente? É inerrante? Na Bíblia há papéis específicos para homens e mulheres, os quais devemos cumprir hoje? As mulheres podem liderar igrejas? Qual é o salário apropriado para um pastor? Os cristãos devem pagar o dízimo para sua igreja local? As crianças devem assistir ao culto da manhã? Os cristãos devem mandar seus filhos para escolas cristãs, para escolas públicas ou devem ensiná-los em casa? Os pastores devem usar roupas que os distingam dos membros da igreja? As programações da igreja devem incluir apresentações musicais? As igrejas devem contratar músicos descrentes para tocar em nossos cultos? Devemos crer antes de fazer parte da igreja ou fazer parte da igreja antes de crer? Ajudar os pobres é uma parte necessária da evangelização?

Suponha que você estivesse no meio de uma discordância assim com outros líderes ou membros de sua igreja. O que você deveria fazer? Eu partiria para a próxima pergunta, a número 3.

3. QUAL É O PROPÓSITO ESPECÍFICO DA COOPERAÇÃO?

A importância do propósito

Qual é o propósito específico pelo qual você pensa em cooperar com outros cristãos? O tipo de cooperação que almejamos determina quanta concordância de opinião é necessária. Posso ser amigo de alguém com quem não casaria. Posso comprar algo para uma pessoa que eu não contrataria. Posso orar com alguém que pertence a uma igreja à qual não me juntaria. Posso ler o livro de um autor de quem discordo. Posso crer que alguém trabalharia bem em algumas coisas e em outras não.

Quando se trata de questões religiosas devemos considerar qual é o propósito da concordância de opinião que é proposta. É para o propósito da salvação? É para pertencer à mesma igreja? É para participar da mesma conferência ou trabalhar junto no mesmo projeto? Qual é a circunstância, a necessidade, o propósito da cooperação?

É possível que as circunstâncias sejam importantes

Ao longo destas linhas os cristãos têm descoberto que as circunstâncias da ocasião importam. Se uma pessoa vive num lugar onde os cristãos são perseguidos, há mais motivação para cooperar. É possível que seja pequeno o número de cristãos e que haja poucas ocasiões para ter comunhão. Cristãos nessas circunstâncias podem encontrar muito mais encorajamento em compartilhar e usar os dons de trinta pessoas do que na atitude de seis ou sete pessoas estabelecerem suas próprias assembléias separadas umas das outras. Circunstâncias assim têm levado muitos cristãos a trabalhar com pessoas de outras denominações de forma mais comprometida do que se estivessem em países livres. Em outras palavras, é mais provável que batistas e presbiterianos se reunissem com mais regularidade em Riad, na Arábia Saudita, do que em Raleigh, na Carolina do Norte!

Assim como os cristãos na América cada vez mais tornam-se parte de uma “minoria cognitiva” — um grupo cujo pensamento se diferencia da cultura da maioria — é possível que também estejamos nos tornando mais conscientes do que os cristãos de gerações anteriores a respeito dos atributos que temos em comum com outros cristãos.

Além disso, tipos diferentes de cooperação requerem níveis diferentes de concordância de opinião. Há mais exigências para ser membro de uma igreja do que para planejar uma campanha evangelista. O nível de harmonia necessário entre companheiros que plantam igrejas é maior do que o nível necessário para irmãos que iniciam reuniões bíblicas na faculdade. Em outras palavras, podemos reconhecer outras pessoas como cristãs ainda que não consideremos sábio plantar uma igreja com elas.

Conferências e eventos esporádicos podem ser bem-sucedidos com menos concordância ainda, e traduções da Bíblia, talvez, com ainda menos. (Imagino que tradutores bíblicos podem concordar em assuntos de tradução mesmo quando discordam sobre o conteúdo do evangelho.) E, é claro, cristãos podem praticar co-beligerância com descrentes em algumas questões públicas envolvendo padrões legislativos e morais.

Credos e confissões de fé

Por toda a história da igreja, cristãos têm escrito credos como o Credo dos Apóstolos e o Credo Niceno, a fim de declarar claramente quais são as crenças que mantêm em comum. Confissões de fé como a de Westminster ou a de New Hampshire têm a mesma finalidade. É assim também com as declarações de fé de igrejas individuais e ministérios para-eclesiais. Tais credos, confissões e declarações expressam o nível básico de concordância necessária para buscar um alvo em comum.

4. SOBRE O QUÊ OS CRISTÃOS DEVEM CONCORDAR?

Então, eis a pergunta de um milhão de dólares: sobre o quê os cristãos devem concordar?

Essa é uma pergunta difícil e devemos ser muito cuidadosos. Não queremos ser como o adolescente que pergunta: “Até onde posso ir com minha namorada?”, o que significa dizer: “Como posso me dar bem?” Em nosso caso, não estamos perguntando “qual é a menor coisa em que eu preciso crer e ainda ser considerado um cristão?” O verdadeiro crente vê crescer dentro de si o desejo de buscar a verdade de Deus em cada assunto onde Ele se revelou em sua Palavra.

A doutrina dos apóstolos

Para começar, a comunhão somente pode ser compartilhada com aqueles que compartilham a fé cristã, ou seja, aquele ensino que articula o que os crentes crêem. Em Atos 2.42, Lucas descreve a comunhão entre os primeiros cristãos dizendo: “Perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão...” Observe que Lucas diz que eles compartilhavam da doutrina dos apóstolos antes de falar da comunhão.

Escolhas doutrinárias que destroem e amaldiçoam são chamadas “heresias”. A palavra “heresia” vem da palavra grega para “escolha”, e embora estejamos acostumados a usar a palavra “escolha” em contextos positivos, o apóstolo Pedro mostrou como ela pode ser usada exatamente com o sentido contrário: “Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição” (2Pe 2.1). Uma heresia ou escolha doutrinária é uma renúncia da regra de fé aceita. Ortodoxia, por outro lado, é o ensino correto da Palavra de Deus.

Como estamos observando a cooperação com outros crentes, queremos nos certificar de que estamos compartilhando o ensino dos apóstolos e não heresias destrutivas.

Não há um acordo sobre alguma lista de erros que deveriam ser chamados heréticos, e provavelmente é inútil fazer referência a todos os erros como “heresias”. Uma atitude assim apenas aumenta o furor sem trazer luz alguma para um diálogo. Nem todos os erros são do mesmo tipo. Na verdade, é perigoso tratar todos os erros como se fossem do mesmo tipo. Uma compreensão errada do ser membro de uma igreja é menos importante do que um equívoco quanto à pessoa de Jesus Cristo! Alguns erros devem ser corrigidos, outros podem ser tolerados por toda a vida.

A determinação dos erros que podem ser tolerados e daqueles que requerem separação demanda que compreendamos a importância da doutrina em que as divergências ocorrem, e até dos dias em que uma doutrina em particular está em discussão. Assim como alguns órgãos são mais importantes do que outros, assim, algumas doutrinas são mais centrais que outras. Nossa compreensão da obra de Cristo na cruz é mais importante que a nossa opinião a respeito do sábado, assim como nosso coração é mais importante do que nosso apêndice. Um ser humano pode sobreviver à retirada de seu dente de siso ou de seu apêndice, mas não de seu coração!

Como aprender

Como ter conhecimento das coisas com as quais devemos concordar? Deixe-me sugerir três maneiras: por meio da Bíblia, de nossa igreja e de nossa consciência.

Aprendemos a verdade fundamentalmente, suprema, finalmente e principalmente por meio da Bíblia; ela é a Palavra de Deus escrita. Estude a sua Bíblia. Conheça bem a Palavra de Deus. Cresça sempre em sua compreensão e em seu amor por ela. Leia o salmo 119 durante um mês naquele momento do dia em que as coisas estão mais calmas a fim de meditar e crescer em seu reconhecimento do grande presente que a Palavra de Deus é para nós.

Mas não é a intenção de Deus que sejamos órfãos na terra, que sejamos autodidatas, nem pessoas que agem por conta própria ou centradas em si mesmas. Deus nos chamou para pertencer a igrejas locais, que ensinam a Bíblia corretamente e que são repletas de pessoas cujas vidas mostram o fruto de seu Espírito. O bom ensino deve produzir bons frutos. Os presbíteros em nossas igrejas devem ser aptos a nos ensinar a Palavra de Deus, o que significa que é nossa obrigação nos submetermos a eles e ao seu ensino. Quando os professores ensinam como devem, os cristãos, juntos, numa igreja, têm uma compreensão clara do evangelho que os salvou. (Paulo toma por certo, em Gálatas 1.8-9 que esse seria o caso.) Enfim, é dever da igreja local definir aquilo com o que devemos concordar para sermos cristãos e membros de tal congregação.

Também aprendemos por meio de nossa consciência. Todos têm uma consciência. Na Queda, a consciência foi radicalmente prejudicada, mas esse importante aspecto da imagem moral de Deus não foi eliminado de nosso caráter. Todos têm um senso inerente do certo e do errado. Mas esse senso é inerente e não infalível. Hoje, muitas pessoas vêem seu senso moral interior como seu próprio e único deus interior, mas a consciência deve ser corrigida, treinada e ensinada e é nossa obrigação fazer isso de acordo com as Escrituras.

Clareza e concordância de opinião

Como saber se uma doutrina é importante e se vale a pena buscar uma concordância de opinião a respeito dela? Eis vários testes para responder a essa pergunta:

O povo de Deus sempre reconheceu que tanto a ação de sintetizar quanto a de ensinar o ponto central da verdade é importante. Então, Deus deu ao seu povo uma síntese de sua lei nos Dez Mandamentos (Ex. 20). Em Deuteronômio 6, Moisés providenciou outra síntese sobre como o povo deveria instruir seus filhos. E os cristãos, desde os primeiros tempos do cristianismo, têm usado as sínteses fornecidas pelos catecismos a fim de preparar pessoas para o batismo — foi assim que originalmente fizeram uso do Credo dos Apóstolos. No século V, o pai da igreja Vincent de Lérins disse que deveríamos crer naquilo que foi crido sempre, em toda parte e por todos.

Notícias corretas, opiniões corretas

Uma das melhores palavras para cristão é “evangélico”. Um “evangélico” é uma pessoa definida por certas notícias específicas. “Boas-notícias” é o que significa evangelho. Jesus disse no Evangelho de João que uma crença ou uma percepção correta sobre sua identidade é necessária para alguém ter vida a eterna; do contrário, as pessoas morrem em seus pecados (Jo 8.24).

Do mesmo modo, Paulo nos diz exatamente em que os cristãos devem se manter firmes — o que é de suma importância:

“Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas e, depois, aos doze” (1Co 15.1-5).

Você se sente desconfortável priorizando algumas verdades e outras não? Aparentemente Paulo não se sentia.

Você está seguro em seu entendimento de que deve crer em certas coisas a fim de ser um cristão? Paulo estava: “Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Rm 10.9).

Paulo insistiu com os romanos especificamente para que mantivessem o ensino que já haviam recebido (ver Rm 16.17). Com os Gálatas também: “Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema” (Gl 1.8; cf. Ef 4.14).

Ele fez referência às “palavras da fé” (1Tm 4.6) e encorajou Timóteo a aplicar-se “ao ensino” (1Tm 4.13).

Paulo adverte que “se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, é enfatuado, nada entende” (1Tm 6.3-4). É por isso que as heresias podem ser tão destrutivas, porque conhecer e crer, na verdade, é necessário para nossa salvação (ver 2Pe 2.1).

De fato, o apóstolo João ensinou: “Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro” (1Jo 4.6). João também diz:

“Porque muitos enganadores têm saído pelo mundo fora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo. Acautelai-vos, para não perderdes aquilo que temos realizado com esforço, mas para receberdes completo galardão. Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho. Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa [significando, conforme creio, a igreja local], nem lhe deis as boas-vindas. Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das suas obras más” (2Jo 1.7-11).

Judas se refere aos homens ímpios “que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo” (Jd 4).

Na carta de Jesus à igreja em Pérgamo, Jesus chama ao arrependimento aqueles que seguiam uma doutrina em particular — a doutrina dos nicolaítas (Ap 2.15).

Você percebe quão frequentemente a impiedade e a falsidade andam juntas? Nós, cristãos, somos aqueles cujo entendimento e cuja vida são modelados pelas boas-novas de Jesus Cristo! É por isso que Paulo escreve para a igreja em Corinto: “Não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais” (1Co 5.11).

Pedro citou Levítico para lembrar aos cristãos que “segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo” (1Pe 1.15-16).

Por toda a Bíblia, Deus declara que seu povo não deve adorar deuses falsos, nem viver devotado a eles. João conclui sua primeira epístola escrevendo: “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos” (1Jo 5.21). Creio que os ídolos dos quais ele está falando são os falsos deuses, o Cristo que não é Deus encarnado, ou um cristo que tolera a imoralidade ou a falta de amor.

Somos justificados somente pela fé, mas uma fé justificadora produz cristãos que parecem mais e mais com o Deus que eles adoram.

Acredite que Deus é um só

Então, sobre o que os cristãos devem concordar? Eu diria que os cristãos devem concordar sobre Deus, a Bíblia e o Evangelho.

Em primeiro lugar, devemos crer que Deus é um só. Ele é trino — Pai, Filho e Espírito Santo. Ele não foi criado, sua existência é independente de qualquer coisa. Ele é moralmente perfeito. Ele é caracterizado por um amor santo. Ele é nosso soberano criador e juiz. É nele que somos chamados a crer (Nm 14.11). Como o Senhor diz ao seu povo, em Isaías:

“Vós sois as minhas testemunhas, diz o SENHOR, o meu servo a quem escolhi; para que o saibais, e me creiais, e entendais que sou eu mesmo, e que antes de mim deus nenhum se formou, e depois de mim nenhum haverá. Eu, eu sou o SENHOR, e fora de mim não há salvador” (Is 43.10-11).

Também lemos em Atos 16 que a família do carcereiro de Filipos se alegrou “por terem crido em Deus” (At 16.34).

E lemos em Hebreus 11.6: “Sem fé é impossível agradar a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe...”

Esta crença essencial em Deus é o sincero reconhecimento de um fato. Mas também é mais que isso. Tiago nos diz: “Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios crêem e tremem” (Tg 2.19). Uma fé salvífica em Deus nos transforma progressivamente num reflexo de seu caráter. Assim, João escreve: “O amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor” (1Jo 4.7-8).

Acredite que a Bíblia é a verdade de Deus

Em segundo lugar, devemos crer que a Bíblia é o meio de conhecermos a verdade sobre Deus. As Escrituras são a revelação de Deus sobre si mesmo e, portanto, possui autoridade em nossa vida e em nosso ensino. O versículo que antecede aquele que acabamos de citar diz: “Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro” (1Jo 4.6).

As palavras de João parecem combinar com o que Jesus ensinou em João 10.4 — que as ovelhas conhecem a voz do bom pastor. Elas a reconhecem e a seguem.

Do mesmo modo, Paulo ordenou que os cristãos tessalonicenses seguissem suas instruções e se afastassem daqueles que não o fizessem (2Ts 3.6, cf. 14-15).

Acredite no Evangelho

Em terceiro lugar, devemos crer no evangelho. A boa nova é que Jesus Cristo é o eterno Filho de Deus encarnado (ver 1Jo). Se não entendêssemos isso não poderíamos defender a verdade da natureza trina de Deus. A trindade e a encarnação apóiam uma a outra. Uma não pode ser atacada sem que a outra também o seja. Como Paulo disse: “Nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Cl 2.9).

Mas o evangelho inclui não somente a encarnação de Cristo; ele inclui também sua morte substitutiva na cruz, sua ressurreição corporal e seu retorno em poder e grande glória.

Lembremos novamente da breve colocação de Paulo em 1 Coríntios a respeito do que é o cristianismo. Os coríntios estavam afastando-se uns dos outros devido a todo tipo de coisas erradas sobre as quais Paulo escreveu catorze capítulos. Mas agora ele finalmente trata da questão pela qual eles deveriam lutar!

“Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas e, depois, aos doze” (1Co 15.1-5).

Você vê os fatos que estão associados com o evangelho? Cristo morreu pelos nossos pecados. Ele foi sepultado e ressuscitou. É isso! E não se engane: clareza na centralidade da cruz promoverá a comunhão teológica (conforme a importância relativa das doutrinas é esclarecida) e prática (à medida que a humildade é encorajada em nosso caráter).

Quando exaltamos a cruz, o evangelho aparece. Ele traz as notícias sobre o Deus santo. Traz as novas do homem feito à própria imagem de Deus e que tragicamente caiu em terrível rebelião contra Deus, encontrando-se sob seu juízo (cf. Gn 3; Rm 3.23; 1Jo 1.8-10; 5.12). O evangelho traz as novas de Cristo, o Filho de Deus, que sofreu por nós e em quem devemos crer para ter a vida eterna (Jo 3.16, 18; 12.44; 17.20; 20.31; At 15.11; 16.31; Rm 3.22; 10.9; Gl 3.22; Fp 1.29; Cl 2.9; 1Ts 4.14; 1Jo 2.22-23; 3.23; 4.2-3, 15; 5.1, 5, 10). E traz as notícias de que podemos ser perdoados por Deus e reconciliados com Ele por meio do dom do arrependimento e da fé. Além disso, o nosso arrependimento se manifestará num compromisso afetuoso de uns para com os outros na comunhão da igreja local (Mt 16; 18; Mc 1.15; Rm 16.26; Hb 10.25, 1Jo 3.23; 4.19-21; 5.3, 13).

A fé que justifica é a fé nesse Deus (Nm 14.11). É a confiança no livramento de Deus (Sl 78.22). Suas ações tornam possível a nossa crença nele (Is 43.10). Então, as primeiras palavras de Jesus no evangelho de Marcos terminam com o seguinte chamado: “Arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1.15).

João também escreveu: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16; cf. 3.18; 11.26; 19.35; 20.31; At 16.31, 34; Rm 3.22; 4.24; 10.9-10, 14; 16.26; 1Co 1.21; Gl 3.7, 22; Fp 1.29; 1Tm 1.16; Hb 10.39; 11.6; 1Pe 1.21; 1Jo 2.24).

Somos justificados apenas por meio da confiança nesse Jesus. Uma pessoa que não crê nesse evangelho não é cristã. Mesmo aqueles que dizem ser “cristãos”, “membros de uma igreja” ou “evangélicos” não são cristãos de verdade se não acreditam nesse evangelho! O fato de uma pessoa dizer que tem determinada característica não quer dizer que ela a tenha.

Deus, a Bíblia, o Evangelho. Não podemos ter uma comunhão cristã verdadeira com alguém que discorda de nós nesses assuntos.

5. SOBRE O QUÊ OS CRISTÃOS PODEM DISCORDAR?

Então, sobre o quê os cristãos podem discordar?

Quero ser cuidadoso também aqui. Não estou consentindo com uma falta de interesse a respeito daquilo que Deus revelou em sua Palavra. Nem estou tentando ensinar o mínimo em que você deve crer e o quanto deve cooperar.

A resposta para a pergunta acerca dos assuntos em que os cristãos podem discordar é melhor determinada pela Bíblia e com a concordância de opinião da igreja que prega a Bíblia.

Assuntos práticos

Certamente os cristãos podem discordar sobre assuntos práticos. E algumas dessas discordâncias causarão divisões. Não podemos trabalhar na mesma coisa de duas formas diferentes. Se este grupo de pessoas está convicto de que determinada coisa deveria ser feita dessa maneira, e aquele grupo está convicto de que outro método deveria ser usado, e se a utilização das duas maneiras não for possível, então a saída mais simples pode consistir em trabalhar separadamente, mas com amor e cooperação.

Então, em Atos 15 Paulo e Barnabé chegam a conclusões opostas sobre qual seria a forma mais sábia de realizar sua obra. Paulo achava que eles não poderiam trabalhar com João, já Barnabé pensava que deveriam trabalhar com ele. Em vez de brigar por causa disso, eles separaram-se (At 15.39). Não temos razão para pensar que algum deles deixou de crer que o outro irmão era um cristão. Eles apenas sabiam que não podiam continuar a trabalhar juntos por causa dessa divergência de ordem prática.

Certo ou errado?

Quando pensamos especificamente em ajuntamentos que alegam ser “igrejas” podemos categorizá-los como “certos” ou “errados”. Não é minha intenção afirmar que uma “igreja certa” nunca diz nada que seja errado, nem que uma “igreja errada” nunca diz nada certo. Em vez disso, quero dizer que uma “igreja certa” prega o verdadeiro evangelho e segue os mandamentos de Cristo para batizar e celebrar a Ceia do Senhor (incluindo a prática da disciplina na igreja). Uma “igreja errada”, por outro lado, é aquela que rejeita a pregação do verdadeiro evangelho.

Regular ou irregular

As igrejas que pregam o evangelho verdadeiro podem ser classificadas como regulares (de acordo com o preceito – as Escrituras) ou irregulares.

Por exemplo, eu e minha igreja entendemos que a Bíblia ensina que o batismo é somente para crentes. A uma igreja que prega o mesmo evangelho que pregamos, mas que pratica o batismo de infantes chamaríamos de certa, mas, irregular (meus irmãos presbiterianos, é claro, retribuem o cumprimento).

Entretanto, o caso é que se chamarmos igrejas assim de certas, podemos ter comunhão com as mesmas no tocante ao evangelho, ainda que não concordando com elas em tudo. Devemos ter unidade no evangelho para reconhecer uns aos outros como cristãos.

Assuntos controvertidos

O Novo Testamento deixa claro que há outras questões em que os cristãos discordam uns dos outros. Por exemplo, o caso do consumo da carne sacrificada a ídolos era um assunto árduo em muitas das igrejas. Entretanto, Paulo não estava excessivamente preocupado com o fato de os cristãos discordarem uns dos outros nesse ponto porque eles não estavam afirmando que uma determinada conclusão era necessária para a salvação. Eles poderiam trabalhar juntos desde que não fossem distraídos por sua divergência. O seu sábio conselho foi: “A fé que tens, tem-na para ti mesmo perante Deus” (Rm 14.22).

Ainda no tocante aos cristãos, Paulo enfrentou questões a respeitos de serem alguns dias mais santos do que outros (ver Rm 14.6). Mas ele chamou essa questão de “assuntos controvertidos” (Rm 14.1 NVI).

Quais são nossas contendas sobre dúvidas hoje? São muitas. Questões sobre as práticas particulares da membresia das igrejas são controversos.

Ou, vejamos o caso do que representa o milênio em Apocalipse 20. Alguns cristãos diriam que temos de concordar nisso a fim de termos uma união na igreja. O que você acha? Vejamos isso rapidamente nos testes que sugeri antes:


Teste 1: Quão clara é essa colocação nas Escrituras? Ela é mencionada duas vezes em Apocalipse 20 e em nenhum outro lugar. E comentários de pessoas evangélicas, que crêem na Bíblia não estão de acordo sobre o ensinamento ao qual João se referia.

Teste 2: Quão clara outras pessoas pensam que ela é de acordo com as Escrituras? (Especialmente aqueles que você respeita e em quem confia como professores da Palavra.) Mais uma vez encontro variedade de opinião.

Teste 3: Quão próxima essa colocação (ou suas implicações) está do evangelho em si? Acho que não estão relacionados. Desde que creiamos que Cristo está voltando, o que Ele fará durante o milênio me parece de pouca importância neste momento.

Finalmente, Teste 4: Quais seriam os efeitos práticos e doutrinários de permitirmos a divergência nessa área? Não encontramos efeito algum em nossa igreja — exceto a provisão de oportunidades para praticarmos a tolerância uns com os outros. A respeito deste assunto os presbíteros de minha igreja discordam entre si, e não percebo infidelidade alguma ou problemas de ordem prática fluindo de tais diferenças.

Não-essencial ≠ sem importância

Mas não me entenda mal. Não-essencial não significa sem importância. Às vezes o que não é essencial pode não ser importante, mas, outras vezes, o que a princípio parece não ser essencial pode mostrar-se importante.

Por exemplo, o caso das orações pelos mortos a princípio pode parecer que não é essencial. Mas quando você começa a reconhecer que essa prática em particular arruína a justificação pela fé somente, você começa a ver quão importante é o tópico. A oração pelos mortos supõe que qualquer decisão que eles fizeram nessa vida não permanece. Essa prática diz que podemos afetar diretamente a condição eterna das pessoas, quando a Escritura ensina claramente que nossa condição eterna é determinada somente pela nossa fé em Cristo.

Como os cristãos podem discordar apropriadamente?

Finalmente, como os cristãos podem discordar apropriadamente?

Talvez você já tenha ouvido essa proveitosa afirmação proveniente da reforma alemã: “na unidade sobre as coisas essenciais, na diversidade sobre aquelas que não são essenciais, em todas as coisas, haja caridade (ou amor)”. Devemos concordar nas coisas essenciais a fim de ter unidade, o que já discutimos. E toleramos a diversidade nas coisas não-essenciais, o que também já discutimos. Mas, como cumprir a ordem desencorajadora de amar em tudo isso?

Roger Nicole sugeriu que respondêssemos essas duas perguntas:

O que eu devo à pessoa que é diferente de mim?

O que posso aprender com a pessoa que diverge de mim?

Pensemos nessas perguntas por um momento.

O que eu devo?

O que devo à pessoa que é diferente de mim? Primeiro, devo amor. É nossa obrigação falar a verdade com amor (Ef 4.15). Em segundo lugar, devo respeito. Faça aos outros o que você gostaria que eles fizessem a você (Mt 7.12). Quando você estiver numa situação de divergência, deixe claro que existe algo maior do que uma preocupação em sair vitorioso na discussão: o cuidado com aquele de quem você discorda, uma preocupação com ele como pessoa. Ouça cuidadosamente o que a pessoa diz. Esclareça qualquer coisa que você não entendeu. Proceda levando em conta o que ela quer dizer, indo além do que ela disse. Um de meus professores de teologia sempre escrevia os prós e os contras de pontos de vista diferentes.

O princípio aqui consiste num desejo seu de representar a perspectiva oposta da melhor forma que puder, de modo que os proponentes sintam-se satisfeitos com sua explicação. Afinal, discussões tendem a fortificar os proponentes em suas próprias idéias. Em tudo isso, considere quais objetivos vocês têm em comum. Você consegue enxergar no que seu amigo está dizendo qual é o alvo dele? Eu tento examinar as diferenças usando o que chamo de “a árvore da decisão”. Tento começar onde ambos concordamos, e então marco cuidadosamente o ponto em que divergimos e pergunto por que ele fez uma decisão enquanto eu fiz outra. Seu objetivo sempre deveria ser evitar alienar as pessoas, mas encorajá-las. De todo jeito, essa atitude terá mais sucesso no processo de persuadi-las!

O que posso aprender?

A segunda pergunta que devemos fazer a nós mesmos ao aprender a discordar da maneira certa é: “O que posso aprender com a pessoa que diverge de mim?”

Afinal, talvez eu esteja errado. Certamente posso aprender algo da minha própria confiança no que penso, e da tentação que enfrento na discussão. Estamos mais interessados em ser vitoriosos numa discussão e proteger nossa reputação, ou em descobrir a verdade e fazê-la triunfar?

Alguns anos atrás eu estava lendo uma biografia de John Wesley e encontrei este breve relato:

Em City Road, os pastores locais e os itinerantes costumavam tomar o café da manhã juntos, aos domingos. Certa vez, quando Wesley estava presente, um jovem ergueu-se e repreendeu um de seus líderes. O temperamento escocês de Thomas Rankin exasperou-se e ele prontamente censurou o jovem por sua impertinência; mas, por sua vez, foi censurado também. Wesley imediatamente respondeu: “Eu agradecerei ao homem mais jovem entre vocês que me falar sobre algum defeito que vocês vêem em mim. Considerarei como meu melhor amigo aquele que fizer isso” (L. Tyerman, Life and Times of Wesley [Harper & Bros; 1872], III.567).

Para pensar assim realmente é necessário ter humildade! E sem humildade não aprendemos. Não aprendemos a verdade sobre nós mesmos nem sobre a Bíblia. Segundo os gregos antigos, o oposto de um amigo não era um inimigo, mas, um bajulador. Nosso orgulho é nosso maior inimigo em tudo isso.

Dê as boas-vindas à correção como sendo uma boa inimiga do seu orgulho. Fique grato pela ajuda que você pode receber daqueles que discordam de você no sentido de completar ou equilibrar melhor o quadro que você está explicando. Pode ser bom ter amigos cristãos que discordam de nós em algumas coisas — isso nos dá oportunidade de aprender e exercitar nosso amor.

CONCLUSÃO

Como resumir tudo em que temos refletido? Use as Escrituras cuidadosamente e dentro do contexto. Conheça bem a Bíblia. Ame a Deus amando sua Palavra. Medite no salmo 119. Assim como Paulo disse a Timóteo: “É necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e sim deve ser brando para com todos, apto para instruir, paciente, disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade” (2Tm 2.24-25).

Possibilite o correto entendimento. Se você é um cristão, é herdeiro do céu! Deus o chamou para levar a mensagem do evangelho mais do que qualquer outra mensagem. E qual é o seu testemunho? As pessoas o consideram argumentativo ou briguento? Desejamos ser conhecidos mais pelas coisas que defendemos do que por aquelas que rejeitamos. E sempre desejamos ser a favor do evangelho, e a favor do crescimento por meio da Palavra de Deus.

No essencial, unidade, no não-essencial, diversidade, em todas as coisas amor.

Mark Dever é pastor da igreja Batista de Capitol Hill e um dos organizadores do ministério Together for the Gospel (Juntos Pelo Evangelho)