Anciãos (Presbíteros) Cristãos no Novo Testamento
De Livros e Sermões BÃblicos
Por John Piper Sobre O Ministério de Anciãos
Tradução por Desiring God
1. O Pano de Fundo do Termo "Ancião" no Judaísmo.
1.1 Quase todas as sociedades ou comunidades religiosas mais antigas foram guiadas, de alguma forma, por anciãos, isto é, pelos mais velhos, experientes e sábios homens do grupo. De acordo com Genesis 50:7 existiam "anciãos do Egito" e de acordo com Números 22:7 haviam anciãos de Moabe e Midiã. Logo, não é nada único ou incomum ter anciãos ocupando posições de autoridade.
1.2 A igreja primitiva nasceu em solo Judeu, seus primeiros membros e líderes eram Judeus, seu Senhor era Judeu, e ela se via como cumprimento das Escrituras Judaicas e como o verdadeiro povo Judeu de Deus. Portanto, é de se compreender que a igreja, como surgiu do Judaísmo, iria de algumas formas modelar sua vida e estrutura na vida e estrutura do povo de Deus no Velho Testamento, do qual eles eram agora a verdadeira posteridade.
Os "anciãos de Israel" são referidos no Velho Testamento dos primórdios da nação no Egito (Êxodo 12:21) até o período da reconstrução do templo depois do exílio Babilônico (Esdras 6:7). Em Ezequiel 7:26, eles são juntamente agrupados com profetas e sacerdotes, cada grupo tendo sua especial preocupação: "Buscarão visões de profetas; mas do sacerdote perecerá a lei, e dos anciãos, o conselho." Em Levítico 4:15 os anciãos tem uma função representativa em certas práticas de adoração. Em Números 11:16 eles são descritos como superintendentes do povo.
Em geral, então, podemos dizer que, através da longa história de Israel o papel do ancião sem dúvida mudou, eles eram os homens mais velhos da comunidade que, por causa da sabedoria deles em conselho e a natural honra devida a eles (Levítico 19:32), se tornaram os administradores ou líderes oficiais da comunidade.
No Judaísmo dos dias de Jesus, os anciãos de Israel ainda eram dominantes. O uso mais frequente da palavra "ancião" no Novo Testamento se referia aos anciãos Judeus que se opunham a Jesus durante sua vida. Nos evangelhos e em Atos, "anciãos" são mais frequentemente vistos formando um grupo muito unido com os "principais sacerdotes." De novo e de novo nós lemos sobre "os principais sacerdotes e anciãos do povo" (Mateus 21:23; 26:3, 47; 27:1, etc.). O termo ancião era provavelmente muito amplo e incluiria membros dos escribas bem como os Fariseus e Saduceus (cf. "tradições dos anciãos" Mateus 15:2; Atos 22:6).
Portanto, é evidente que o Judaísmo do qual a igreja primitiva emergiu, era aquele em que os anciãos desempenhavam um papel distintivo e bem conhecido. Esse papel familiar na sociedade Judaica era sem dúvida onde a igreja primitiva obteve o título "ancião". Mas qual era o caráter e a função do ancião cristão primitivo só pode ser determinado pelo estudo dos textos do Novo Testamento. Seria errado assumir que o conceito Judeu era assumido sem nenhuma modificação, porque a igreja não era simplesmente uma cópia em carbono do Judaísmo ou do Israel do Antigo Testamento.
Vale a pena notar na passagem que o ofício do sacerdote, tão proeminente no Velho Testamento, não é assumido pela igreja primitiva. Profetas e anciãos (cf. Ezequiel 7:26) tem suas contrapartidas na igreja e esses títulos são usados. Mas não há contrapartida oficial ao sacerdote, pois, como o Novo Testamento ensina, toda a igreja é um "sacerdócio santo" (1 Pedro 2:5), ou um "sacerdócio real" (1 Pedro 2:9). Nós que estamos em Cristo, fomos todos "feitos sacerdotes para o seu Deus" (Apocalipse 1:6). Cada indivíduo tem acesso ao santo dos santos, trono da graça de Deus, por causa da morte expiatória de Cristo de uma vez por todas. Nenhum oficial na igreja tema função de mediador entre o crente e Deus.
2. Anciãos Cristãos na Igreja em Jerusalém
2.1 Os anciãos da igreja primitiva de Jerusalém aparecem em três situações no Livro de Atos. A primeira referência está em Atos 11:30. Os discípulos de Antioquia tinham decidido enviar fundos de assistência para a igreja em Jerusalém "e eles o fizeram, enviando os anciãos pelas mãos de Paulo e Barnabé." Nenhuma menção de diáconos e apóstolos é feita aqui. Os anciãos são aparentemente os homens mais velhos responsáveis pelo bem-estar geral da igreja. Nós não sabemos nada sobre como eles se tornaram anciãos, e só podemos assumir que o motivo do qual eles eram anciãos em tudo, é por causa do padrão já estabelecido no Judaísmo.
2.2 A segunda situação onde nós encontramos os anciãos, está no Conselho de Jerusalém de Atos 15. Eles são mencionados cinco vezes—versículos 2, 4, 6, 22 e 23. Alguns Cristãos Judeus tinham ido a Antioquia, pregando que você tinha que ser circunciso para ser salvo (15:1). Paulo e Barnabé debateram com eles até que "Paulo e Barnabé e alguns dos outros foram apontados para subirem a Jerusalém, aos apóstolos e os anciãos sobre esta questão" (15:2).
É notável que enquanto os fundos foram enviados somente aos anciãos (11:30), uma questão doutrinária foi enviada aos apóstolos, bem como aos anciãos. A autoridade dos apóstolos era reconhecida, mas mesmo essa autoridade não era exercida sem um esforço para persuadir e unificar através de uma reunião do conselho.
Quando Paulo e Barnabé chegaram em Jerusalém "eles foram bem recebidos pela igreja, pelos apóstolos e pelos anciãos" (15:4). Aqui vemos três grupos—a igreja como um todo, os doze apóstolos, e o corpo de anciãos. A questão da circuncisão insurgiu (15:5) e o resultado foi que, de acordo com o versículo 6, "os apóstolos e os anciãos se reuniram para examinar essa questão."
No debate que se segue, Pedro, então Barnabé e Paulo, então Tiago falou em favor de não necessitar circuncisão. Aparentemente a discussão, pelo menos inicialmente, foi limitada aos apóstolos e anciãos. É provável que membros da congregação estavam presentes, em vista da referência a "multidão" (KJV, πληθος) no versículo 12, e em vista do fato que quando tudo foi dito e feito, o versículo 22 diz, "Então, pareceu bem aos apóstolos e aos anciãos, com toda a igreja", enviar uma carta as igrejas dos gentios sobre a decisão deles.
O verso 28 acrescenta que também pareceu bem ao Espírito Santo que a circuncisão não seja exigida. Quando a carta foi enviada, em Atos 16:4 por exemplo, Lucas comenta que a decisão sobre circuncisão tinha sido tomada pelos apóstolos e anciãos. Isso confirma 15:6 que diz que "os apóstolos e anciãos estavam reunidos para examinar a questão."
Desta forma, o quadro no capítulo 15 é que os anciãos, junto com os apóstolos, têm a responsabilidade debaixo da orientação do Espírito Santo de fazer decisões sobre questões éticas (15:29) e doutrinárias. Devemos assumir que essas significantes decisões foram colocadas perante toda a igreja onde elas foram aprovadas (15:22).
Buscando orientações desse incidente para a igreja de hoje, teríamos que ter em mente que o ofício de apóstolo, estando ligado ao testemunho da sua ressurreição, era um ofício que não se repetiria. A função insubstituível dos apóstolos nos resta agora na palavra apostólica que nós temos no Novo Testamento. Portanto, a liderança da igreja usando somente o modelo de Jerusalém, seria um grupo de anciãos debaixo do Espírito Santo em humilde conversa com a palavra apostólica, o Novo Testamento.
2.3 A terceira situação em Atos onde os anciãos aparecem, é a visita final de Paulo a Jerusalém (21:18). Paulo vai encontrar-se com Tiago (o irmão do Senhor) e com todos os anciãos presentes, ele coloca diante deles o que Deus tem feito entre os gentios através do seu ministério. Então os anciãos pediram a Paulo para não ofender os Cristãos Judeus; ele aceitou o conselho deles, purificou-se e entrou no templo.
Aqui a função dos anciãos é receber o distinto apóstolo e ouvir seu relatório. Eles se esforçam para ver que há um bom relacionamento entre Paulo e toda a igreja. É interessante notar que Tiago, que não era um apóstolo, (Tiago o apóstolo foi morto em 44 a.C, Atos 12:1-3) é mencionado separadamente, aparentemente como um líder chefe. Isso pode ser devido simplesmente ao seu status único de irmão do Senhor, ou poderia sugerir que como desde início os apóstolos se dispersaram e morreram, uma figura central emergiu entre o corpo de anciãos que foi reconhecida como o administrador ou líder principal.
2.4 Para concluir, nós não sabemos nada sobre como os anciãos de Jerusalém foram escolhidos a menos que igualamos os sete de Atos 6:3 com os anciãos. Mas não há nenhuma boa razão para fazer isso. Devemos assumir que eles emergiram naturalmente na comunidade porque eles estavam evidentes na sociedade Judaica. Eles eram aparentemente responsáveis pelo bem-estar geral da igreja (11:30); e com os apóstolos sob a orientação do Espírito Santo (15:28) eles fizeram decisões respeitando a doutrina e as morais da igreja (15:6; 16:4). Essas decisões então, tiveram a aprovação de toda a igreja (15:22).
3. Os Anciãos nas Igrejas de Paulo
3.1 O termo "ancião" como título de um líder da igreja aparece nas cartas Paulinas somente três vezes—1 Timóteo 5:17, 19 e Tito 1:5. Obviamente o título, como tal, não era de grande importância para Paulo. Poderia muito bem ser que ele não tenha nem usado o título na sua obra até próximo ao fim da sua vida, quando ele escreveu as cartas pastorais, exceto que elas pressuponham um conhecimento prévio do termo.
3.2 Existem duas referências em Atos aos anciãos nas igrejas de Paulo. Vamos olhá-las uma de cada vez.
3.2.1 Em Atos 14:21, Paulo começa a voltar a Antioquia da Síria, refazendo os passos da sua primeira viagem missionária as igrejas do sul da Galácia: Derbe, Listra, Icônio e Antioquia da Pisídia. Enquanto visitava cada uma dessas igrejas que Paulo tinha recentemente fundado, ele "fortaleceu a alma dos discípulos, exortando-os a permanecer firmes na fé" (14:22). Então Lucas nos diz no 14:23 que Paulo e Barnabé "nomearam anciãos em cada igreja" e que depois de "orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido."
Em relação aos anciãos aqui, devemos notar que nada diz que Paulo os chamou de anciãos (ou presbíteros). Essa pode ser a palavra de Lucas para um líder de igreja a quem Paulo pode ter dado nome algum, exceto talvez "os que presidem" (1 Tessalonicenses 5:12) ou "os bispos" (Atos 20:28). Mas se Paulo os chamou de anciãos ou não, Lucas os viu ocupando a mesma função do que ele conhecia como anciãos.
Em segundo lugar, devemos notar que em cada igreja foram nomeados vários anciãos; não sabemos quantos. Terceiro, a emposse deles era por nomeação, não eleição, uma característica que encontraremos como verdade aos anciãos em todo o Novo Testamento. Quarto, eles devem ter sido relativamente novos Cristãos, desde que as igrejas tinham acabado de serem fundadas. Isso mostra que o princípio estabelecido em 1 Timóteo 3:6 (sem bispos recém convertidos) não é absoluto no contexto missionário. Nada é dito aqui sobre a função dos anciãos. Lucas aparentemente assumiu que em seu tempo, o ofício era tão comum que não precisou de nenhuma explicação.
3.2.2 A segunda referência aos anciãos (ou presbíteros) nas igrejas de Paulo em Atos aparece em Atos 20:17. Paulo está a caminho de Jerusalém no final da sua terceira viagem missionária. Ele para em Mileto, logo ao sul de Éfeso, e "chamou a ele os anciãos da igreja" de Éfeso. Quando eles descem até ele, Paulo dá um discurso de despedida muito comovente.
No verso 28, Paulo admoesta-os com essas palavras, "Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue."
Em relação aos anciãos aqui, de novo notamos que Paulo não os chama de anciãos, mas sim de "bispos" (v. 28). A palavra grega é επισκοπους (episkopous) que significa literalmente supervisor e é, às vezes, traduzida como "bispo". Por isso, aos anciãos é confiada a tarefa de supervisão espiritual. Essa tarefa tem relevância imediata porque o próximo versículo alerta sobre lobos que virão, não poupando o rebanho. Logo, é óbvio que para Paulo o termo "bispo" é praticamente sinônimo de "pastor," desde que a congregação é representada como um rebanho. Isso dá, acidentalmente, clara fundação para o nosso uso do termo "pastor" e "equipe pastoral", desde que "pastor" significa "pastor de rebanho" (cf. 1 Coríntios 9:7 e Efésios 4:11 para outros usos de Paulo, de pastor como metáfora para líder de igreja).
Além disso, a responsabilidade do ancião/bispo é de "apascentar a igreja," sem dúvida, no sentido o qual Jesus disse a Pedro, "Apascenta as minhas ovelhas," (João 21:17). No contexto, a comida é, sem dúvida, "a palavra da graça, que é poderosa para vos edificar" (20:32), ou "todo o conselho de Deus" (20:27). Os anciãos/bispos são, então, ministros da palavra. Mas mais do que isso, de acordo com o verso 35, os anciãos devem imitar Paulo e trabalhar para ajudar o enfermo; isto é, prover as necessidades daqueles que por causa da doença, não podem prover para si mesmos. Este trabalho, que não é diferente da tarefa dos assim chamados "diáconos" no 6:1-3, levanta a questão se o termo ancião em Atos não engloba o que conhecemos como diaconato. É impossível responder a isso com certeza.
Finalmente, devemos notar que os anciãos foram "definidos como bispos" pelo Espírito Santo. Isso completa o quadro um pouco quando adicionamos isso ao fato que Paulo nomeou anciãos (ou presbíteros) em todas as igrejas. A nomeação, sem dúvida, ocorreu depois da maneira da própria nomeação de Paulo pelos profetas e mestres em Atos 13:1-3. Através de oração e jejum , o Espírito Santo deixa claro quem deve ser nomeado, e então os líderes colocam as mãos sobre eles e os nomeia. As nomeações de Paulo não foram caprichosas ou meramente um reflexo de seus próprios desejos.
3.2.3 Desses dois textos em Atos, podemos ver que desde os tempos antigos nas igrejas de Paulo foram nomeados líderes que funcionam como supervisores do rebanho, para guardá-lo, alimentá-lo e ajudar suprir suas necessidades físicas. Lucas aplica o termo "anciãos" a esses, e deixa claro que existiam vários em cada igreja e, aparentemente, em Éfeso um grande número (cf. 20:25).
3.3 Dentro das próprias cartas de Paulo, o termo "ancião," como uma designação para um líder de igreja, só aparece três vezes—1 Timóteo 5:17, 19 e Tito 1:5. Iremos olhar essas na ordem contrária. Como fazemos, nós devemos ter em mente a característica única das cartas Pastorais (1 e 2 Timóteo e Tito): elas são as últimas cartas que Paulo escreveu e refletem uma situação 15 a 20 anos depois da primeira viagem missionária de Paulo. Ao contrário de todas as suas outras cartas, elas são endereçadas a líderes de igrejas individuais e explicitam alguns dos seus deveres.
3.3.1 Paulo escreve para Tito (1:5-9):
Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa ordem as coisas que ainda restam e, de cidade em cidade, estabelecesses presbíteros, como já te mandei: aquele que for irrepreensível, marido de uma mulher, que tenha filhos fiéis, que não possam ser acusados de dissolução nem são desobedientes. Porque convém que o bispo seja irrepreensível como despenseiro da casa de Deus, não soberbo, nem iracundo, nem dado ao vinho, nem espancador, nem cobiçoso de torpe ganância; mas dado à hospitalidade, amigo do bem, moderado, justo, santo, temperante, retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina como para convencer os contradizentes.
Nós vemos imediatamente que Paulo aqui, usa o termo presbítero e bispo com referência às mesmas pessoas. Versos seis e sete podem ser parafraseados, "presbíteros devem ser irrepreensíveis" (anengklĕtos) pois um bispo deve ser irrepreensível (anengklĕtos)." A função dos presbíteros é então, resumida como supervisão como foi em Atos 20:17, 28. Igualmente, como em Atos, a ênfase recai sobre o ministério da palavra: o presbítero/bispo deve ser bem instruído na doutrina (didachē, verso 9) e capaz de "admoestar com a sã doutrina e convencer os contradizentes" (versículo 9). Além disso, nada é dito sobre a tarefa dos presbíteros.
Versos 6 a 8 dão os requisitos que alguém deve ter para ser um presbítero-bispo. Em suas relações com a comunidade, ele devia ser irrepreensível, e seu casamento e família deviam ser exemplares. Seu caráter pessoal devia ser de maturidade espiritual que o ajusta para ajudar os outros.
Finalmente, notamos novamente que os presbíteros são nomeados. A situação é como aquela em Atos 14:23, na qual as igrejas pareciam ser relativamente novas desde que não haviam ainda, anciãos nas igrejas. Paulo, aparentemente, teve que deixar Creta (verso 5) antes de ter uma chance de nomear presbíteros como ele habitualmente fazia. Então ele ordena Tito fazer isso no seu lugar. O fato de Paulo explicitar o tipo de pessoa que é pra ser nomeada, mostra que o trabalho do Espírito Santo (Atos 20:28) no processo de nomeação, não descarta a atividade humana de avaliar o caráter espiritual da pessoa.
3.3.2 Os outros dois locais onde o termo "ancião" (ou presbítero) aparece nas cartas de Paulo está em 1 Timóteo 5:17 e 19. Em 5:3-16, Paulo descreve os procedimentos a serem seguidos ao cuidar de viúvas na igreja. "Verdadeiras viúvas," isto é, piedosas, mulheres idosas que não tem parentes para cuidar delas, devem ser sustentadas pela igreja (5:3, 9, 16). Elas devem, portanto, serem honradas.
Então, nos versos 17 e 18 Paulo diz, "Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina. Porque diz a Escritura: 'Não ligarás a boca ao boi que debulha' [Deuteronômio 25:4]. E: 'Digno é o obreiro do seu salário' [Lucas 10:7]."
Esse texto levanta uma série de questões: Do que consiste a honra no verso dezessete? Versículo dezoito deixa claro que ajuda financeira está em questão, pelo menos em parte: "o obreiro (cf. "obreiro na palavra," verso 17) é digno do seu salário." Logo, o termo "duplicada honra" no verso dezessete deve significar no mínimo pagamento em dobro. Mas isso levanta a pergunta, O que deve ser duplicado?
Quando Paulo diz que os presbíteros que governam bem devem ser concedidos duplicada honra, ele quer dizer que presbíteros que governam mal devem ganhar $5.000 por ano, e presbíteros que governam bem devem ganhar $10.000 por ano? Isso é duvidoso, desde que Paulo nada diz sobre honrar presbíteros que governam mal; de fato, no versículo vinte ele fala de repreender um presbítero que persiste no pecado. Há no contexto, uma referência a honra, entretanto, que deve ser aquela que deve ser duplicada, a saber, a honra concedida as viúvas (verso 3). Essa honra envolve tanto estima (verso 2, 10ff) quanto ajuda financeira (verso 16). Se reduzirmos os versos 3-17 eles versariam: Honra as viúvas que verdadeiramente são viúvas, mas dê dupla honra aos presbíteros que governam bem.
Outra questão é levantada pela frase, "principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina" (verso 17). Isso parece implicar que existem alguns presbíteros que trabalham na palavra e ensinam, e alguns que não. J.N.D. Kelly sugere em seu comentário que aqueles que ensinam são os assim chamados "supervisores" ou "bispos", e aqueles que não, são os diáconos. Em outras palavras, ele acha que o termo "ancião" (ou presbítero) envolve tanto bispos como diáconos.
Essa solução tem a seu favor que, toda vez que o papel do bispo é descrito nas epístolas pastorais, ele inclui a habilidade de ensinar (1 Timóteo 3:2; Tito 1:9), e quando o papel do diácono é descrito, ele não inclui (1 Timóteo 3:8-13). O problema com essa visão é que, como dissemos, Tito 1:5-7 parece igualar presbítero e bispo.
Mas talvez, em retrospecto, devemos dizer que Tito 1:5-7 não precisa implicar uma identificação do presbítero com bispo, mas somente uma sobreposição dos termos. Isto é, todos os bispos são presbíteros, mas nem todos os presbíteros são bispos. Eu acho que não podemos ter certeza absoluta nesse ponto.
Em ambos os casos, não é tanto a estrutura da igreja que está em jogo, como são os títulos que se aplicam dentro daquela estrutura. No primeiro caso, "presbítero" é um título amplo, aplicando-se tanto a bispos como diáconos. No outro caso, "presbítero" é um termo mais intercambiável com "bispo."
Duas novas características sobre o ministério dos presbíteros surgem em 1 Timóteo 5:17-22. O trabalho deles é descrito como governo. A palavra grega significa permanecer diante de (proistemi). Foi usada por Paulo em 1 Tessalonicenses 5:12, "E rogamo-vos, irmãos, que reconheçais os que trabalham entre vós, e que presidem sobre vós no Senhor, e vos admoestam." Talvez o significado seja melhor em 1 Timóteo 3:4, 5 e 12, onde a palavra é traduzida como "guiar" (NTLH) ou "liderar" (NVI) e se refere a função de um pai na família. Portanto, os presbíteros são para a igreja o que um pai é para a sua família: ele lidera, guia os assuntos e supervisiona.
Uma segunda característica do ministério dos presbíteros que nós não vimos antes, é que eles são, aparentemente, ordenados pela imposição de mãos. Depois de dizer a Timóteo como lidar com um presbítero que persiste no pecado, Paulo avisa Timóteo: "não tenha pressa de colocar as mãos sobre alguém" (5:22). Em outras palavras, não faça decisões precipitadas sobre quem ordenar como presbítero. (Para a própria ordenação de Timóteo pela imposição de mãos, veja 1 Timóteo 4:14; 1:18; 2 Timóteo 1:6.)
3.4 Nós não olhamos todos os textos onde Paulo usa o termo "presbítero." Mas desde que nós notamos tanto em Atos 20:17, 28 como em Tito 1:5 e 7, que "presbítero" e "bispo/supervisor" são, às vezes, intercambiáveis, nós devemos talvez, olhar para dois outros textos onde o bispo é mencionado.
3.4.1 Em 1 Timóteo 3:1-7 Paulo dá as qualificações para aquele que "aspira ao ofício de bispo" (episkopēs). Elas são similares àquelas listadas em Tito 1:5-9. A tarefa de ensinar, é novamente mencionada (versículo 2) e a função do bispo é resumida no verso 5 como "cuidar da igreja de Deus."
3.4.2 O segundo e último texto onde Paulo se refere ao bispo é Filipenses 1:1, "Paulo e Timóteo, servos de Jesus Cristo, a todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos, com os bispos e diáconos." Nenhuma menção mais profunda dessas pessoas é feita na carta, nem mesmo sabemos com certeza se dois grupos distintos estão em questão aqui, embora pareça ser a interpretação mais natural. O valor principal dessa referência, historicamente, é mostrar que os termos técnicos de "bispo" e "diácono" não estão restritos às cartas Pastorais, que alguns estudiosos dizem que Paulo não escreveu.
3.5 Agora, podemos tentar resumir o que aprendemos sobre os presbíteros nas igrejas de Paulo. O papel deles pode, talvez, ser melhor resumido na frase "supervisionar" e por isso, os termos "presbítero" ou "bispo" são, às vezes, usados indistintamente (Tito 1:5, 7; Atos 20:17, 28). Entretanto, é incerto se o termo "presbítero" era um termo mais inclusivo, abraçando o papel do diácono também (Atos 20:35; 1 Timóteo 5:17).
Essa supervisão da igreja, envolve guardar o rebanho espiritualmente, como um pastor guarda o seu rebanho dos lobos (Atos 20:28), e apascentar o rebanho. A alimentação ocorre conforme os presbíteros "trabalham na Palavra e na doutrina" (1 Timóteo 5:17; 3:2, Tito 1:9; Atos 20:27, 32). Mas, 1 Timóteo 5:17 pode significar que existiam presbíteros que governavam, que não estavam envolvidos na pregação e na doutrina. Além do ministério espiritual, os presbíteros estavam também responsáveis por certas necessidades físicas do rebanho (Atos 20:35).
No Novo Testamento, os presbíteros atingiam sua posição pela indicação de Paulo, Barnabé (Atos 14:23), Timóteo (1 Timóteo 5:22) ou de Tito (1:5). O Espírito Santo era ativo nessas indicações, para que pudesse ser dito que ele os tinha constituído bispos (Atos 20:28). Mas essa orientação divina não interrompia a avaliação normal do caráter de uma pessoa, desde que, de acordo com 1 Timóteo 3:2-7 e Tito 1:5-9 o presbítero/bispo tinha que ter uma família exemplar, um caráter espiritual maduro, e uma habilidade de admoestar com a sã doutrina. A indicação era um tipo de ordenação para um chamado sagrado, que era realizado pela imposição de mãos (1 Timóteo 5:22; cf. Atos 13:3).
Finalmente, é evidente que cada cidade, cada igreja, tinha vários presbíteros ao invés de apenas um. Provavelmente, no princípio, ser um presbítero não era um trabalho de tempo integral e foi realizado em adição a uma vocação. Mas, no momento em que Paulo escreveu 1 Timóteo, os presbíteros em Éfeso deviam ser pagos pelo seu trabalho.
4. Anciãos nas Igrejas Não-Paulinas
4.1 Existem uma série de usos do termo "ancião" (ou presbítero) fora Paulo, que iremos agora discutir. No Livro do Apocalipse, o termo aparece doze vezes com referência aos vinte e quatro anciãos no céu. Não há nenhum acordo entre os estudiosos bíblicos sobre quem essas pessoas representam. 2 e 3 João começa com a indicação, "O ancião à..." Aparentemente o autor é tão bem conhecido ao seus leitores que ele nem mesmo precisou dar seu nome, mas só chamou a si mesmo de "O ancião."
4.2 Em Tiago 5:13-15 lemos,
Está alguém entre vós aflito? Ore. Está alguém contente? Cante louvores. Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.
A única coisa nova que aprendemos aqui é uma ilustração específica do tipo de ministério prático que os presbíteros deviam ter nas igrejas da Dispersão (Tiago 1:1).
4.3 Finalmente, em 1 Pedro 5:1-4 o termo "presbítero" é usado.
Aos presbíteros que estão entre vós, admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar: apascentai (poimanete) o rebanho de Deus que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus (tōn klēron), mas servindo de exemplo ao rebanho. E, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa de glória.
Aqui, a primeira coisa a notar é que Pedro chama a si mesmo de presbítero. Isso, claro, não significa que não há distinção entre presbíteros e apóstolos (veja a seção 2). Antes, em virtude da sua autoridade superior e obrigação pastoral, o ofício apostólico coincidiu com o do presbítero. Pedro se refere ao seu status de presbítero para ilustrar o ponto exato que ele está fazendo, a saber, ele não quer "dominar sobre os presbíteros", mas por exemplo e exortação, ajudá-los a cumprir seu chamado. Ele chama a atenção à glória e ao sofrimento de Cristo, que tem relevância imediata para os presbíteros que são chamados para assumir o humilde papel de exemplo para o rebanho, e aguardar a infalível coroa da glória que somente Cristo pode dar (verso 4).
O principal ponto desses versos é instruir os presbíteros como exercer sua autoridade. Pedro usa três pares de admoestações. O primeiro par (verso 2a) é ambíguo na ARC: "não por força", parece que Pedro está suplicando aos presbíteros que não forcem o povo a fazer coisas. Mas o oposto disso é como os presbíteros devem fazer as coias, "voluntariamente". Tendo em vista essa segunda metade do par, I traduziria a primeira metade como "não sob força." Em outras palavras, no versículo 2a, Pedro não está admoestando os presbíteros a não usarem força, mas não precisarem da força para sua própria motivação.
Outra razão para escolher essa tradução é que isso evita uma repetição desnecessária com o verso 3a, onde Pedro os diz para não dominarem sobre o rebanho. Portanto, o primeiro par de admoestações chama os presbíteros a não agirem como se fossem forçados a fazerem o trabalho deles, mas para fazê-lo a partir da sua própria vontade. Em resumo, aprecie seu trabalho, para que você não jogue uma sombra sobre a sabedoria e bondade daquele que te chamou a isso.
O segundo par de admoestações no verso 2b, explicita um exemplo específico de como não ser motivado pelo constrangimento externo: "nem para ganho vergonhoso, mas ansiosamente." Uma maneira de levar pessoas a fazerem um trabalho que elas não estão muito ansiosas a fazer, é pagá-las. Desde que a maioria das pessoas amam dinheiro e o poder e prazer que ele pode comprar, elas farão coisas que elas não amam fazer para poder conseguir dinheiro. Mas essa é uma motivação terrível para um presbítero, pois isso mostra que seu coração está no lugar errado, porque onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.
De novo, presbíteros devem amar o seu trabalho. Eles devem fazê-lo ansiosamente. Bendito é o que dá com alegria, pois somente o que dá com alegria não é forçado a dar por algum motivo externo. O próprio dar é abençoado, mais do que receber. Foi, de fato, aos presbíteros que Paulo citou as palavras de Jesus: "Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber" (Atos 20:35).
O terceiro par de admoestações é um eco do ensinamento de Jesus em Marcos 10:42-44. O mesma palavra para "dominar" é usada em Marcos 10:42 e 1 Pedro 5:3 (katakurieuō). O contexto no qual Jesus avisa os discípulos contra dominar sobre seus irmãos, é quando eles estavam pensando sobre quem era o maior entre eles (cf. Lucas 22:24-30). Em outras palavras, o mal de impor sua autoridade sobre os outros é que isso mostra que você está buscando glória de homens, você está tentando exaltar a si mesmo aos olhos dos outros e então, ter o prazer mundano do louvor humano.
Ora, aqui em 1 Pedro 5:3, Pedro avisa os presbíteros (como um presbítero que tinha visto os sofrimentos de Cristo) que eles não devem ser motivados por um amor ao louvor ou poder humano. Ao contrário, eles devem assumir o humilde papel do exemplo exatamente como Jesus fez em Lucas 22:24-30 e João 13:1-20. A glória irá então, acompanhar, e não de homens, mas do próprio Cristo, e não uma glória humana perecível, mas uma imperecível. Assegurada essa glória imperecível, os presbíteros podem certamente abandonar todos os motivos mundanos, como dinheiro e poder, e ansiosamente exercer sua supervisão como exemplo ao rebanho, um exemplo humilde e parecido com Cristo.
Que o próprio Cristo é o padrão apropriado para o presbítero/bispo, é visto de forma clara, não somente da alusão ao seu ensinamento na terra no 5:3, mas também de 1 Pedro 2:25. Ali Pedro diz, "Porque éreis como ovelhas desgarradas; mas, agora, tendes voltado ao Pastor e Bispo (episkapon) da vossa alma". Cristo é o "Sumo Pastor" como o 5:4 diz, mas ele é também o "Bispo Supremo" (2:25), e também não devemos dizer, "o Sumo Presbítero"? Essa é maior coisa que pode ser dita do papel do presbítero na igreja. É um convocação de Cristo (pelo seu Espírito) fazer seu trabalho com ele à sua imagem e por amor a ele.