A Igreja Deve ser Guiada Somente por Decisões Unânimes?
De Livros e Sermões BÃblicos
Por John Piper
Sobre Governo da Igreja
Uma Parte da série Taste & See
Tradução por Desiring God
Carta a um amigo a respeito de como funciona a liderança
Alguém me desafiou, recentemente, a mostrar-lhe por que todas as decisões da liderança da igreja não devem ser unânimes. Em outras palavras, por que devemos seguir adiante sem uma liderança unânime? A pergunta era: “Em que parte da Bíblia há uma passagem em que a discordância não incluiu pecado de uma das partes ou que não tenha levado à divisão? Onde há nas Escrituras um exemplo de discordância, sobre determinado assunto, na qual os crentes mantiveram a comunhão e trabalharam juntos?
Amamos a unidade e a unanimidade em nossas igrejas; e, tanto quanto possível, desejamos que haja concordância quando a igreja vota a respeito de um assunto. Mas não exigimos unanimidade para que a igreja siga adiante. Eis o que escrevi para explicar este assunto:
Em primeiro lugar, percebo uma mentalidade perfeccionista por trás dessa pergunta. Esta mentalidade tem dificuldades para viver com ambigüidades, imperfeições e incertezas. Ela tende a exigir respaldo bíblico para assuntos que podem não ser achados na Bíblia. Penso que é essencialmente errado aproximar-nos da Bíblia com a idéia de que a ausência de ensino sobre a necessidade de concordância pode ser substituída pela presença uniforme de unanimidade (ainda que isso estivesse nas Escrituras, o que eu duvido). Isto equivaleria à mentalidade que pergunta: “No Novo Testamento, há alguma passagem que se refere ao templo de uma igreja?” Conclusão: não construa templos para a igreja; realize os cultos nos lares. Essa mentalidade tende ao isolamento sectário, caracterizada por um perfeccionismo crescente que torna missões e a evangelização quase impossível, porque métodos são sempre imaginados como algo que tem bases bíblicas insuficientes. Mas, voltando à pergunta, eu consideraria inicialmente Romanos 14. Nesta passagem, há um evidente caso de discordância. O objetivo de Paulo não era criar uma maneira de pensar unânime (embora isso seja maravilhoso e seja motivo de nossas orações), e sim ajudá-los a achar a maneira de chegar à unidade, sem unanimidade, no assunto em questão. Vejamos, por exemplo, o versículo 5: “Um faz diferença entre dia e dia; outro julga iguais todos os dias. Cada um tenha opinião bem definida em sua própria mente”. Em seguida, me reportaria a Filipenses 3. Nesta passagem, Paulo desejava que os crentes tivessem a mesma mente (o que ele costumeiramente defendia). Contudo, ele não visualizou uma inabilidade de continuarem trabalhando juntos, enquanto não atingiam a unanimidade. Ele disse: “Prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. Todos, pois, que somos perfeitos, tenhamos este sentimento; e, se, porventura, pensais doutro modo, também isto Deus vos esclarecerá. Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos” (3.14-16). Isso me impressiona como algo bastante realista. Há algumas pessoas que ainda não estão convencidas. Se houvesse uma votação agora, haveria diferenças. No entanto, Paulo não se referia a termos condicionais para que houvesse a comunhão. Ele via processo e movimento. Não há razão para imaginarmos que a igreja deve ficar paralisada, até que a minoria chegue à unanimidade. Isso pode até acontecer depois de uma votação em que eles discordaram. Em terceiro, eu me dirijo àqueles textos que retratam os líderes admoestando os imaturos. Por exemplo, observe 1 Tessalonicenses 5.14: “Exortamo-vos, também, irmãos, a que admoesteis os insubmissos, consoleis os desanimados, ampareis os fracos e sejais longânimos para com todos”. Isso parece implicar que sempre haverá uma esfera de maturidade e sabedoria na igreja, bem como pessoas menos capazes de perceber o caminho sábio que os outros vêem. Seria muito insensato admitir que deve haver um momento na vida da igreja em que pecados e deficiências desaparecem por tempo suficientes, para votarmos algum assunto sem que entre em cena qualquer pensamento, sentimento ou ação imperfeitos. Existe uma teologia da graça e da soberania que reina nessa situação. Deus governa sobre as contínuas decisões imperfeitas. Esse é o único tipo de decisão que existe. Por último, ocorre uma tragédia quando um corpo de líderes espirituais ou um corpo de crentes dá a pessoas imaturas o poder de veto sobre conselhos sábios. Na Bíblia, não há nada que diga que um crente fraco e imaturo possa paralisar o avanço do povo de Deus. Sempre existirão muitas dessas pessoas. A mentalidade que afirma que Deus lidera o seu povo tão-somente por meio de criar uma comunidade em que não há qualquer fraqueza, carnalidade e limitação — esse tipo de mentalidade é, em minha opinião, antibíblica e prejudicial.