A Distância Entre a Cabeça e o Coração
De Livros e Sermões BÃblicos
Por John Piper Sobre Vida da Mente
Tradução por Andreia Frazão
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O “Pensamento Sentido” de Fiódor Dostoiévski
Repetidas vezes me perguntaram: Como é que passo a minha fé da minha cabeça para o meu coração? O grande romancista russo Fiódor Dostoiévski pode não responder exatamente, mas a sua experiência indica-nos o caminho certo para encontrar a resposta.
Dostoiévski é um “romancista ideológico”. Isto é, as ideias dominam e movem as suas personagens.
As suas ideias tornam-se parte das suas personalidades, num grau tal, aliás, que nenhuma existe independentemente da outra. O seu génio inigualável enquanto romancista ideológico estava na sua capacidade de inventar ações e situações nas quais as ideias dominam o comportamento sem que este último se torne alegórico. . . . As suas maiores obras, afinal de contas, tinham sido esforços para minar as bases ideológicas a partir das quais a revolução [Bolchevique] tinha surgido. (Joseph Frank, Dostoevsky, xiv)
Para Dostoiévski, as ideias — até as banais — não eram apenas a matéria-prima a partir da qual se cria grandes personagens, mas também o combustível para manter vivas as suas próprias paixões.
Um dos seus companheiros mais próximos, Nikolai Strakhov, escreveu,
Muito frequentemente, o mais rotineiro pensamento abstrato atingia-o com uma força invulgar e atiçava-o extraordinariamente. . . . Uma ideia simples, por vezes muito comum e trivial, incendiava-o subitamente e revelava-se-lhe em todo o seu significado. Ele, por assim dizer, sentia o pensamento com invulgar vivacidade. (Ibid., xv, itálico nosso)
Frank comenta, “É esta tendência inata de Dostoiévski para “sentir o pensamento” que dá à melhor obra deste a sua marca especial.”
Pensamento Sentido
É por algo como isto que as pessoas anseiam quando perguntam, Como é que passo a minha fé da minha cabeça para o meu coração? Como posso passar das ideias para os afetos — do pensamento para o sentimento? Como é que posso experienciar um ‘pensamento sentido’?
É certamente um bom anseio. Jesus queria que a verdade na cabeça despertasse paixão no coração: “E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (João 8:32, NVI). Vai libertar-vos do pecado. Vai libertar-vos daquilo a que Paulo chama “desejos enganosos” (Efésios 4:22, NVI) para um novo mundo de paixões sagradas.
O apóstolo Paulo exigiu a mesma coisa: “verdade sentida.” “[R]ejeitaram o amor à verdade que os poderia salvar.” (2 Tessalonicenses 2:10, NVI). Não apenas: Rejeitaram a verdade; mas mais: Rejeitaram o amor à verdade. A verdade não era sentida como bela e valiosa.
Do mesmo modo, o apóstolo Pedro acreditava que, quando pensamentos verdadeiros substituíam a ignorância, as paixões mudariam. “Como filhos obedientes, não se deixem amoldar pelos maus desejos de outrora, quando viviam na ignorância.” (1 Pedro 1:14, NVI). Ideias defeituosas produzem emoções defeituosas. E ideias verdadeiras produzem emoções verdadeiras. É por isto que Pedro enuncia verdades espantosas em 1 Pedro 1:3–5, e depois diz, “Nisso vocês exultam” (1 Pedro 1:6, NVI).
O Sentimento é o Fruto da Aflição
Mas as ideias bíblicas nem sempre atiçaram paixões sagradas em Dostoiévski. Na década de 1840, Dostoiévski leu a Bíblia à luz do Socialismo utópico. Frank diz que as ideias de Dostoiévski “podem ser consideradas como tendo sido inspiradas pelo Cristianismo, embora reformulando o respetivo ethos em termos de problemas sociais modernos.”
Algo mudou a forma como Dostoiévski sentia o pensamento. Dostoiévski foi preso por causa das suas visões políticas, exposto à simulação de uma execução e depois sentenciado a trabalhos forçados na Sibéria.
Como resultado, o cristianismo anteriormente “secular” de Dostoiévski sofreu uma metamorfose crucial. Até aqui, tinha sido dedicado à melhoria da vida na terra; agora, esta finalidade, sem ser abandonada, ficara ofuscada na sombra da consciência da importância da esperança da eternidade enquanto trave-mestra da existência moral. Dostoiévski disse que os quatro anos que passou no campo prisional foram responsáveis pela "regeneração das [suas] convicções.” Agora o seu “pensamento sentido” passara a ser diferente. Agora as ideias estavam diferentes. A verdade estava diferente. E o modo como sentia estes pensamentos estava diferente.
Esta é a resposta para a qual a experiência de Dostoiévski aponta. O “pensamento sentido” por que todos ansiamos — enraizado em pensamentos verdadeiros, e inflamado de verdadeiro sentimento — surge como fruto da aflição. O sofrimento por que passou na Sibéria forjou o verdadeiro “pensamento sentido.”
Não Podemos Causar a Sibéria
Esta não é a resposta que a maioria de nós quer ouvir quando pergunta, Como é que passo a minha fé da minha cabeça para o meu coração? Não podemos inscrever-nos num curso da Sibéria. Não podemos ler a Sibéria. Não podemos memorizar a Sibéria. Não podemos pedir a ninguém que nos atribua a responsabilidade pela Sibéria. Não nos cabe a nós causar a Sibéria.
Cabe a Deus.
E nós podemos preparar-nos. Existem pensamentos verdadeiros e pensamentos falsos sobre como a Sibéria vem de Deus. Por que motivo vem. Como devemos responder. Podemos tratar de separar esses pensamentos segundo a Bíblia. E podemos rezar. Então, quando chegar a hora que Deus definiu para a nossa Sibéria, estaremos preparados. E Deus impelirá a nossa fé da nossa cabeça para o nosso coração, onde irá cravá-la como uma estaca. E nunca mais seremos os mesmos.