Deus planejou tudo para o bem
De Livros e Sermões BÃblicos
Por John Piper
Sobre Figuras Bíblicas
Uma Parte da série The History of Redemption
Tradução por Jonathan Josua
Você pode nos ajudar a melhorar por rever essa tradução para a precisão. Saber mais (English).
As histórias de José e de João Batista
Pregação do culto de domingo à noite
Com exceção do sábado, nossa família sempre toma café-da-manhã por volta das 7:15. Depois do nosso café de sempre, com cereal e suco, temos um momento no qual leio um trecho das Escrituras. Em seguida, oramos, e os meninos vão à escola. Atualmente, estamos lendo Gênesis, e estamos no meio da história fantástica de José. Um dia desses, quando estava lendo sobre o episódio de sua prisão injusta, de repente me dei conta do quanto as histórias de José e de João Batista são, ao mesmo tempo, parecidas e diferentes. Quanto mais pensava nisso, mais ficava intrigado. O principal efeito que essa comparação teve em mim foi o consolo. Foi algo tão revigorante para o meu espírito que achei melhor dar uma pausa em nosso estudo de Lucas para compartilhar isso com vocês.
Nesta mensagem, seguiremos os seguintes passos: 1) Farei uma breve revisão das duas histórias, mencionando dez pontos em que elas se assemelham. 2) Mostrarei a principal diferença que chamou minha atenção e que não tinha notado antes. 3) Por fim, vamos extrair algumas lições dessa comparação.
José e João Batista: Dez semelhanças
Ambos, José e João Batista, nasceram de pais muito idosos. Lucas 1:7 nos conta: “ambos (Zacarias e Isabel) eram de idade avançada”(NVI). Gênesis 37:3 relata: “Ora, Israel gostava mais de José do que de qualquer outro filho, porque lhe havia nascido em sua velhice”. Tratava-se de duas crianças muito especiais. Não só por seus pais serem idosos, mas também por ambos terem nascido de mães estéreis. Gênesis 29:31 nos diz: “Quando o Senhor viu que Lia era desprezada, concedeu-lhe filhos; Raquel, porém, era estéril.” Além disso, Lucas 1:7 diz que Zacarias e Isabel “não tinham filhos, porque Isabel era estéril”. Os pais dessas duas crianças as desejavam profundamente, e quando pessoas piedosas desejam algo profundamente, oram com fervor ao Deus para quem nada é impossível. Assim, a terceira semelhança entre José e João é que ambos nasceram como resposta a orações. Em Gênesis 30:22-24, lê-se: “Então Deus lembrou-se de Raquel. Deus ouviu o seu clamor e a tornou fértil. Ela engravidou, e deu à luz um filho e disse: ‘Deus tirou de mim a minha humilhação’. Deu-lhe o nome de José [que significa ‘ele acrescenta’] e disse: ‘Que o Senhor me acrescente ainda outro filho’.” Em Lucas 1:13, o anjo diz a Zacarias: “Não tenha medo, Zacarias; sua oração foi ouvida. Isabel, sua mulher, lhe dará um filho, e você lhe dará o nome de João.” Quando o anjo contou a Maria que Isabel estava grávida, a explicação que deu foi a seguinte: “Pois nada é impossível para Deus.” (Lucas 1:37). Assim, o nascimento de José e de João é fruto da onipotência de Deus. É prova de que Deus pode conferir bênçãos que parecem impossíveis aos olhos humanos, e que Ele faz isso em resposta a orações. Olhando para as histórias deles, creio que podemos dizer que a forma miraculosa como nasceram é como um estandarte levantado sobre suas vidas, que proclama: “Nada é impossível para Deus; ‘Ele fará tudo que O agrada’” (Isaías 46:10).
Antes que a verdadeira grandeza de cada um desses homens fosse vista, Deus revelou o destino deles. Ele predisse que ambos seriam grandes homens. O anjo disse a Zacarias, pai de João: “muitos se alegrarão por causa do nascimento dele, pois será grande aos olhos do Senhor” (Lucas 1:14,15). Com José, foi um pouco diferente. Deus lhe deu sonhos quando já tinha 17 anos. Gênesis relata uma dessas ocasiões: “’Ouçam o sonho que tive’, disse-lhes. ‘Estávamos amarrando os feixes de trigo no campo, quando o meu feixe se levantou e ficou em pé, e os seus feixes se ajuntaram ao redor do meu e se curvaram diante dele’” (Gênesis 37:6,7). Deus revelou que, um dia, José seria exaltado sobre seus irmãos e eles se inclinariam diante dele.
Acredito que Deus, com frequência, revelava seus propósitos antes de cumprí-los para que, quando fossem finalmente cumpridos, ficasse evidente que tinham sido atos de Deus. Porém, parece haver também outro propósito para esses sonhos. Eles contribuíram para o próprio cumprimento. Eles deixaram os irmãos de José de tal forma enfurecidos que eles o venderam a uma caravana de midianitas que passava em direção ao Egito. A ironia aqui é tremenda: ao mandar José ao Egito para se livrarem do sonhador, eles desencadearam a exata sequência de eventos que viria a realizar aquele sonho. É assim que acontece todas as vezes que tentamos resistir aos propósitos de Deus. Sempre acabamos por cumpri-los — ainda que da forma como Judas o fez.
Assim, José, com 17 anos, é mandado embora para o Egito, e dizem a seu pai idoso que o garoto foi devorado por um animal selvagem. Jacó rasga suas vestes e chora por dias, recusando-se a deixar que sua família o console. É uma daquelas cenas que faz você querer entrar dentro da história e dizer: “Jacó, confie em Deus! Não é tão ruim quanto parece! Creia em Deus! Ele não recusa nenhum bem aos que vivem com integridade. Jacó, isso será para o seu bem! Coloque sua esperança em Deus!” Porém, ele não pode ouvi-lo, e ainda se passarão 20 anos — 20 longos anos — antes que Jacó consiga enxergar qualquer traço da misericórdia de Deus nessa história.
Outra semelhança entre João e José é que ambos foram enviados por Deus para ir à frente e preparar o caminho. Sobre João, Jesus disse: “Este é aquele a respeito de quem está escrito: ‘Enviarei o meu mensageiro à tua frente; ele preparará o teu caminho diante de ti’” (Lucas 7:27). Ele veio com a missão de preparar um povo para o Senhor (Lucas 1:17). A ida de José ao Egito, ainda que de maneira forçada e como escravo, também foi uma missão de preparar um caminho. No fim, ele diz a seus irmãos: “foi para salvar vidas que Deus me enviou adiante de vocês [...] Deus me enviou à frente de vocês para lhes preservar um remanescente nesta terra e para salvar-lhes as vidas com grande livramento.” (Gênesis 45:5,7). Pode-se dizer que ambas as missões, a de José no Egito e a de João em Israel, foram semelhantes ao menos neste ponto: a importância real de ambos não estava neles mesmos, mas no que veio depois deles. Graças à missão de José no Egito, o povo de Deus foi salvo da fome. Logo após a missão de João, o próprio Libertador veio em pessoa para salvar o povo de Deus.
Tanto José como João alcançaram a reputação de homens justos e confiáveis. Marcos 6:20 diz que “Herodes temia a João e o protegia, sabendo que ele era um homem justo e santo”. E Gênesis 39:2 conta como o Senhor estava com José; ele foi comprado por Potifar, um oficial do faraó, e provou-se tão íntegro e confiável que Potifar o encarregou de toda a sua casa (Gênesis 39:4). Parte desse exemplo de retidão, tanto para um como para o outro, se deu na forma de oposição ao pecado sexual. Eles se opuseram ao adultério de maneira absoluta. João repreendeu publicamente o casamento ilícito de Herodes com Herodias, a esposa de seu irmão. Ele se opôs ao adultério em público e em princípio. José, por outro lado, foi encurralado pela esposa de Potifar numa casa vazia, onde ela tentou seduzi-lo: “Venha, deite-se comigo!” (Gênesis 39:7). Porém, José resistiu e fugiu. O que João fez publicamente e em princípio, José fez em secreto e em sua vida privada.
Em ambos os casos, eles acabaram na prisão, pois as mulheres a quem haviam repreendido ficaram enfurecidas. Marcos 6:17 diz: “Pois o próprio Herodes tinha dado ordens para que prendessem João, o amarrassem e o colocassem na prisão, por causa de Herodias, mulher de Filipe, seu irmão, com a qual se casara.” Herodias não conseguia suportar a ideia de ver prosperar um homem justo que denunciava seus pecados à vista de todos. Tampouco o conseguia a esposa de Potifar: ela gritou, chamando seus servos, e inventou uma história que tornava José o sedutor, e ela mesma, a vítima. Isso enfureceu Potifar, que lançou José na prisão do faraó. Assim, a essa altura da história, tanto José como João estão presos por causa da justiça, e ainda há outra semelhança: ambos têm cerca de 30 anos. Gênesis 41:46 nos diz que José tinha 30 anos quando saiu da prisão (cerca de dois anos depois de ter sido preso, segundo Gênesis 41:1). Sabemos que João era cerca de seis meses mais velho que Jesus, e Lucas 3:23 nos diz que “Jesus tinha cerca de trinta anos de idade quando começou seu ministério”. João foi preso não muito tempo depois. Notem o seguinte: esses homens eram jovens, cinco anos mais novos do que eu. Acho que foi por isso que a semelhança chamou tanto minha atenção. Esses homens são como eu!
Uma grande diferença
Aqui, terminam as semelhanças entre José e João. Agora vem uma diferença crucial. E ela é ainda mais chocante por conta de todas as semelhanças entre eles. José foi solto para governar o Egito. João foi decapitado. Gênesis 39:21-23 descreve a forma como Deus trabalhou em prol de José na prisão:
mas o Senhor estava com ele e o tratou com bondade, concedendo-lhe a simpatia do carcereiro. Por isso o carcereiro encarregou José de todos os que estavam na prisão, e ele se tornou responsável por tudo o que lá sucedia. O carcereiro não se preocupava com nada do que estava a cargo de José, porque o Senhor estava com José e lhe concedia bom êxito em tudo o que realizava.
De fato, Deus lhe deu êxito a ponto de elevá-lo à posição de braço direito do faraó, por causa da sabedoria que lhe havia dado. Foi uma reviravolta incrível.
A reviravolta no caso de João também foi incrível. Já era tarde da noite, provavelmente em Tiberíades, no mar da Galileia, onde Herodes era governante. De sua cela, João ouvia o som distante das flautas, liras e tamborins e, de tempos em tempos, os gritos animados dos comparsas de Herodes, enquanto Salomé dançava. Herodes provavelmente estava bêbado quando ela terminou a dança. Ele ficou tão animado com a aprovação de seus convidados que prometeu a Salomé o que quer que ela quisesse, até a metade do seu reino. Enquanto isso, a mãe dela, à distância, observava o que acontecia com um olhar que cintilava de maldade e um coração que quase explodia com um prazer perverso. “O que devo pedir, mãe?”; “Peça a cabeça de João Batista!” Salomé, então, voltou à presença de Herodes e, curvando-se com um sorriso malicioso, disse: “Desejo que me dês agora mesmo a cabeça de João Batista num prato” (Marcos 6:25). Herodes tentou esconder seu espanto. Porém, os convidados, bêbados, gostaram do que ouviram e ficaram animados com a ideia. “Isso, Herodes, faça isso!”. Então, o rei mandou um soldado buscar a cabeça de João.
Lembre da situação: João tem 30 anos de idade. Ele passou os primeiros anos de sua vida no deserto, em devoção ao Senhor e em preparação para sua missão; quando tinha cerca de 29 anos, veio como um furacão de justiça passando por todo o Israel e, dentro de cerca de um ano, já estava na prisão. Vinte e nove anos de preparo; um ano, apenas um ano, no ministério!
A porta de sua cela se abriu. Ele olhou pra cima e perguntou: “O que foi?”; “O rei ordena que sua cabeça seja levada a ele numa bandeja.” “O quê? Por quê? O que houve? O que foi que eu fiz?”; “Você não fez nada. Eles gostaram da dança de Salomé.” Provavelmente, não deram a João muito tempo para entender o problema, muito menos resolvê-lo. O justo e santo profeta do grande Messias, após somente um ano de serviço fiel, decapitado por causa do capricho de um rei e de uma jovenzinha sensual! Será que ele gritou de raiva? “É nisso que dá servir ao Deus vivo! Ele tira um homem dos braços de sua mãe, o leva ao deserto e, após um breve momento de serviço, o lança na lata do lixo do mundo!” Ou será que ele juntou tudo o que restava de sua fé vacilante, curvou-se em submissão e entregou sua angústia e sua vida àquele que julga com justiça (1 Pedro 2:23)? Não sabemos.
Mas a questão mais urgente para nós é a seguinte: será que Deus estava apenas com José, e não com João? Será que Deus demonstrou seu grande amor a José, mas abandonou a João? Não, acredito que não. Quando João estava na prisão, Jesus lhe fez um elogio extraordinário: disse que João era um profeta, e mais que um profeta: “entre os que nasceram de mulher não há ninguém maior do que João” (Lucas 7:26, 28). Mateus diz que quando Jesus soube que João havia sido morto, ele “retirou-se de barco em particular para um lugar deserto” (Mateus 14:13). Mas a principal razão pela qual acredito que Deus foi fiel com João mesmo naquela morte aparentemente sem sentido é que Hebreus 11 ensina que homens de fé, às vezes, passam pela experiência de José, e outras vezes, pela experiência de João. Veja o que diz Hebreus 11:34: pela fé, homens e mulheres “escaparam do fio da espada”. Isto é, Deus fez com que prosperassem como José, e converteu o coração de seus inimigos. Porém, Hebreus 11:37 diz que outros homens e mulheres, com o mesmo nível de fé, “foram mortos ao fio da espada”. Isto é, Deus escolheu não intervir; em vez disso, decidiu tirá-los do mundo. É precisamente o fato de ambos, José e João, serem homens justos e cheios de fé, que faz com que seus destinos diferentes sejam tão edificantes para nós.
Três lições que podemos tirar de suas vidas
Há três lições que enxergo no contraste entre essas duas vidas. Primeiro: não presuma que você viverá uma vida longa. Tanto João como Jesus morreram com pouco mais de trinta anos, e nenhum de nós é tão obediente quanto eles. José viveu até os 110 anos (Gênesis 50:22). Segundo: Deus é o único que pode, em última instância, dar e tirar a vida (como Jó diz em Jó 1:21), e Ele nos dá a vida durante o tempo de nossa missão; então, a toma de volta quando nossa missão acaba. A missão de João como aquele que vai adiante havia terminado. “É necessário que ele cresça e que eu diminua” se mostrou uma mudança mais brusca e decisiva do que João esperava. Deus preservará nossa vida pelo tempo exato em que isso for benéfico para nós e para a igreja. Quando nossa missão estiver concluída, Ele nos levará.
Terceiro: aqueles que amam a Deus e são chamados segundo o seu propósito jamais devem acreditar que circunstâncias horríveis e dolorosas são um sinal de que Deus está contra eles. Muito pelo contrário, são sinal de que Deus está trabalhando por eles com sua mão esquerda. Há três coisas que fazem com que seja difícil acreditar nisso; porém, essas histórias nos permitem refutar essas três coisas. Primeiro: é difícil crer que Deus é por nós em meio a nossas tragédias quando elas duram 20 anos. Quem poderia ter convencido Jacó de que perder José era para seu próprio bem e para o bem do mundo inteiro? Passaram-se 20 anos antes que Deus mostrasse isso a ele. Segundo: é difícil crer que Deus é por nós em meio a nossas tragédias quando enfrentamos várias delas, uma atrás da outra. Quando estamos quase superando uma tragédia, vem outra. Porém, vejam o exemplo de José. De início, era o filho preferido de seu pai, mas depois, com 17 anos, foi vendido para se tornar escravo longe de casa. Então, ele começa a prosperar na casa de Potifar, mas assim que as coisas começam a dar certo, ele é injustiçado e lançado na prisão. Como teria sido fácil para ele desistir de tudo e deixar de confiar em Deus! Porém, como isso teria sido tolo, pois em cada circunstância ruim que vinha sobre sua vida, Deus o estava movendo em direção à mais alta posição no Egito. Em cada circunstância ruim, Deus está movendo você em direção à glória. Terceiro: é difícil crer que Deus está trabalhando pelo nosso bem quando nossas circunstâncias não nos dão vida; ao invés disso, como no caso de João Batista, nos levam à morte. Porém, eu creio de todo o meu coração que Gênesis 50:20 é tão verdadeiro no caso de João Batista quanto foi no caso de José: “Vocês pretendiam me fazer o mal, mas Deus planejou tudo para o bem” (NVT). Herodias pretendia fazer o mal; mas Deus planejou tudo para o bem. Não há consolo maior do que saber que independentemente do quão absurdas ou irracionais pareçam as circunstâncias, Deus está no controle e tem nelas um propósito bom. Confiemos sempre nEle.