O Evangelho e os Pobres
De Livros e Sermões BÃblicos
Por Tim Keller
Sobre Pobreza
Uma Parte da série Themelios
Tradução por Marcia Brando
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O Evangelho e os Pobres[1]
A pergunta original que me pediram para responder foi "Como o nosso comprometimento com a supremacia do evangelho se vincula com nossa obrigação de fazer o bem a todos, especialmente àqueles da família da fé, para servir de sal e luz no mundo, para fazer o bem à cidade?" Vou dividir essa pergunta em duas partes: (1) Se somos comprometidos com a supremacia do evangelho, o evangelho por si só serve como base e motivação para ministrar aos pobres? (2) Se sim, como então esse ministério se relaciona com a proclamação do evangelho?
1. O evangelho por si só nos motiva a ministrar ao pobre?
A supremacia do evangelho
O que "a supremacia do evangelho" significa? Vou responder a essa pergunta com o discurso de Don Carson, feito na primeira conferência da Coalizão do Evangelho em maio de 2007[2].Carson esclarece o evangelho de 1 Cor 15:1–19 com oito palavras resumidas:
- Cristológico: O evangelho é centrado na pessoa e no trabalho (a vida, morte e ressurreição) de Jesus Cristo.
- Teológico: O evangelho nos diz que o pecado é antes de tudo uma ofensa contra
Deus e que a salvação é primeira ação de Deus que dura, não a nossa.
- Bíblico: O evangelho é essencialmente a mensagem de toda a Bíblia.
- Apostólico: O evangelho é passado para nós pelos discípulos de Jesus como
testemunhas de autoridade.
- Histórico: O evangelho não é filosofia ou conselho de como encontrar a Deus,
mas antes notícias do que Deus fez na história para nos encontrar e salvar.
- Pessoal: O evangelho deve ser pessoalmente crido e apropriado.
- Universal: O evangelho é para toda língua, tribo, povo e indivíduo.
- Escatológico: O evangelho inclui as boas novas da transformação final, não
apenas as bênçãos que desfrutamos nessa era.
Dessas deduções exegéticas, Carson conclui mais amplamente que o evangelho é normalmente disseminado na proclamação. A grande maioria das referências ao evangelho no Novo Testamento fala em comunicar o evangelho através de palavras. Porém, como um administrador do evangelho, a responsabilidade de Paulo não estava exaurida simplesmente por disseminá-lo aos não crentes. Paulo também "achou necessário se esforçar no trabalho externo do evangelho em cada domínio das vidas dos coríntios."[3] Depois de insistir que o evangelho é disseminado primariamente pela proclamação, Carson escreve:
Entretanto, algo mais deve ser dito. Esse capítulo [1 Cor 15] vem ao final de um livro que repetidamente mostra como o evangelho funciona corretamente na transformação massiva de atitudes, costumes, relacionamentos e interações culturais. Como todos sabem, Calvin insiste que a justificação é somente pela fé, mas a fé genuína nunca está sozinha; podemos adicionar que o evangelho se concentra na mensagem do que Deus fez e está fazendo, e deve ser lançada em verdades cognitivas para ser crida e obedecida, mas esse evangelho nunca permanece própria e exclusivamente cognitivo .[4]
O restante das cartas aos Coríntios demonstra isso repetidamente. Quando Paulo denuncia as divisões e o espírito partidário dos Coríntios (1 Cor 1:10–17), fala que eles vêm de orgulho e ostentação, uma deslealdade ao evangelho da graça soberana (1:26–31). Quando Paulo lida com a questão do pecado sexual e a disciplina nos capítulos 5-6, ele dá direções para comportamento e firma seu apelo no evangelho da justificação (6:11) e o fato de que eles foram redimidos pela morte de Cristo (6:19–20). No capítulo 7, as questões sobre estar solteiro, o divórcio e um novo casamento, "são trabalhadas no contexto das prioridades do evangelho e a visão transformada provocada pelo alvorecer da era escatológica e a antecipação do fim."[5] Em 2 Cor 8–9, Paulo eloquentemente apela para a generosidade financeira com base no evangelho. Radical, a humilde generosidade é "submissa à confissão do evangelho" (2 Cor 9:13), ou seja, o materialismo falha ao levar a sério o evangelho da morte sacrificial de Cristo por nós. Similarmente, Paulo desafia a postura de Pedro perante os cristãos gentios ao insistir que ele não estava "andando de acordo com a verdade do evangelho" (Gl 2:14).
[O] evangelho deve também transformar as práticas de negócios e as prioridades dos cristãos no comércio, as prioridades de jovens mergulhados no indeciso mas implacável narcisismo, a angústia solitária e frequente culpa dos prazeres de gente solteira que busca prazer mas que não encontra felicidade, o desespero cansado daqueles que vivem à margem, e muito mais. E isso deve ser feito não tentando resumir princípios sociais do evangelho, ainda menos pelo foco interminável na periferia, em um esforço vão de soar profético, mais precisamente ao pregar, ensinar e viver em nossas igrejas o glorioso evangelho de nosso bendito Redentor.[6]
Então o que significa estar comprometido com a primazia do evangelho? Significa primeiro que o evangelho deve ser proclamado. Muitos hoje denigrem a importância disso. Ao contrário, dizem que a única verdade apologética é uma comunidade amorosa; as pessoas não podem ser arrebanhadas ao reino dos céus por argumentos, apenas através do amor. "Pregue o evangelho. Use palavras se necessário." Mas enquanto a comunidade cristã é de fato uma testemunha crucial e poderosa à verdade do evangelho, ela não pode substituir a pregação e a proclamação. Mesmo assim, a primazia do evangelho também significa que ele é a base e motivação para a prática cristã, individualmente e corporativamente, dentro e fora da igreja. Ministério do evangelho não é apenas proclamá-lo às pessoas para que então o adotem e creiam; também é ensinar e pastorear crentes com ele, de modo que molde completamente suas vidas para que então possam "vivê-lo". E uma das áreas mais proeminentes que o evangelho afeta é nosso relacionamento com o pobre.
Não conheço melhor introdução de como o evangelho nos move a ministrar aos pobres, do
que o discurso de Jonathan Edwards "Caridade Cristã"[7] Edwards conclui que ofertar
e cuidar dos pobres é crucial, um aspecto não opcional de "viver o evangelho". Há dois
argumentos básicos que Edwards apresenta para essa conclusão.
Tabela de conteúdo |
(1) Crer que o evangelho nos moverá a ofertar aos pobres
Edwards repetidamente nos mostra como um entendimento do que ele chama "as regras do evangelho" - o padrão e lógica do evangelho - inevitavelmente nos move a amar e ajudar os pobres. Enquanto Edwards crê que a ordem para ofertar aos pobres é uma implicação do ensino que todos os seres humanos são feitos à imagem de Deus,[8] ele acredita que a motivação mais importante para ofertar aos pobres é o evangelho: Ofertar aos pobres "é especialmente sensato, considerando nossas circunstâncias, sob tais uma dispensação da graça como aquela do evangelho."[9]
Um dos textos chave para o qual Edwards se volta para discutir esse caso é 2 Co 8:8–9
(dentro do contexto do conjunto dos capítulos 8 e 9). Quando Paulo pede por generosidade
financeira com os pobres, ele aponta para o esvaziamento de Jesus, vividamente retratando-o
como se tornou pobre por nós, literalmente e espiritualmente, na encarnação e na cruz. Para
Edwards, a pequena introdução de Paulo "não lhes estou dando uma ordem... pois vocês conhecem a
graça de nosso Senhor Jesus Cristo" é significante. O argumento parece ser que se você
compreender a expiação substitutiva tanto em sua cabeça quanto em seu coração, você será
profundamente generoso com os pobres. Pense nisso! A única maneira para Jesus nos tirar de
nossa pobreza espiritual e nos colocar nas riquezas espirituais, era sair das riquezas
espirituais dele para a pobreza espiritual. Isso agora deveria ser o padrão em sua vida.
Entregar seus recursos e entrar em necessidade para que aqueles em necessidade tenham recursos.
Paulo também sugere aqui que todos os pecadores salvos pela graça olharão para os pobres desse
mundo e sentirão que de alguma maneira eles estão olhando no espelho. A superioridade acabará.
Outro texto que Edwards olha mais do que uma vez é Gl 6:1–10, especialmente o verso 2,
que nos intima a levar "os fardos pesados uns dos outros."[10] O que são esses fardos? Paulo tem em vista, pelo menos parcialmente, fardos
materiais e financeiros, porque Gl 6:10 nos diz para fazermos "o bem a todos, especialmente aos
da família da fé." Edwards (corretamente, de acordo com exegetas modernos) compreende "fazermos
o bem" como incluir a oferta de ajuda prática às pessoas que precisam de comida, abrigo e ajuda
financeira. A maioria dos comentaristas entendem "levar fardos" como sendo compreensivo.
Compartilhamos amor e força emocional com aqueles que estão afundando em tristeza;
compartilhamos dinheiro e posses com aqueles que estão em perigo econômico. Mas o que Paulo
quer dizer quando ele diz que levar fardos "cumpre a lei de Cristo" (Gl 6:2)? Edwards chama
isso de "as regras do evangelho"[11] Richard
Longenecker concorda, chamando isso de "princípios prescritivos que se originam centro do
evangelho."[12] Como Phil Ryken aponta, o ato final de levar um fardo foi a expiação
substitutiva na qual Jesus carregou o fardo infinito de nossa culpa e pecado.[13] Novamente vemos Paulo
argumentando que qualquer um que entenda o evangelho dividirá dinheiro e possessões com aqueles
com menos bens no mundo.
E se é o evangelho que está nos movendo a ajudar os pobres, Edwards argumenta, nossa
oferta e envolvimento com os pobres será significante, excepcional e sacrificial. Aqueles que
ofertam aos pobres sem um desejo de cumprir com uma prescrição moral sempre farão o mínimo. Se
ofertamos aos pobres simplesmente porque "Deus disse", a próxima pergunta será "quanto temos
que ofertar para que não estejamos fora de conformidade?" Essa pergunta e atitude mostra que
essa não é a oferta moldada pelo evangelho. Na última parte de seu discurso, Edwards responde a
objeção "você diz que eu deveria ajudar aos pobres, mas tenho medo de que eu não tenha nada de
reserva. Não posso fazer isso". Edwards responde:
<blockqutoe>Em muitos casos, podemos, pelas regras do evangelho, sermos obrigados
a ofertar aos outros, quando não podemos fazer isso sem sofrermos do contrário, como essa regra
de carregar os fardos uns dos outros é cumprida? Se nunca somos obrigados a aliviar os fardos
dos outros mas quando podemos fazer isso sem nos sobrecarregar, então quando é que carregaremos
os fardos das outras pessoas, quando carregaremos fardos de fato?[14]</blockquote>
Edwards está discutindo que se a base de nosso ministério com os pobres fosse
simplesmente uma prescrição moral, as coisas poderiam ser diferentes. Mas se a base para nosso
envolvimento com os pobres é "a regra do evangelho", chamado sacrifício substitutivo, então
devemos ajudar aos pobres mesmo quando achamos que "não podemos pagar por isso". Edwards põe
isso à prova e diz: "o que você quer dizer é que não pode ajudá-los sem sacrificar e trazer
sofrimento para si mesmo. Mas é assim que Jesus aliviou você de seus fardos! E é assim que você
deve ministrar aos outros com seus fardos".
Na parte mais poderosa do discurso, Edwards responde uma série de objeções comuns que
recebe quando ele prega sobre o dever evangélico de ofertar aos pobres. Em quase todos os
casos, ele usa a lógica do evangelho - da expiação substitutiva e livre justificação - na
objeção. Em todos os casos, a generosidade radical, notável, sacrificial com os pobres é o
resultado de pensar e viver o evangelho. À objeção "eu não tenho que ajudar alguém ao menos que
ele seja destituído", Edwards responde que "a regra do evangelho" quer dizer que devemos amar
nosso próximo como Cristo nos amou, literalmente entrando em nossas aflições. "Quando nosso
próximo está em dificuldade, ele está aflito; e devemos ter tal espírito de amor por ele, como
se estivéssemos aflitos com ele em sua aflição."[15]
Então ele continua a argumentar que, se fizermos isso, precisaremos aliviar a aflição até mesmo
se a situação do meu próximo é uma breve pobreza. Esperar até que as pessoas estejam totalmente
destituídas antes de você ajudá-las, mostra que a lógica do evangelho ainda não o transformou
na pessoa social e emocionalmente empática que você deveria ser.
Edwards toma outras duas objeções: "Eu não quero ajudar essa pessoa porque ele é um
espírito de pavio curto e ingrato" e "acho que essa pessoa está na pobreza por culpa própria".
Isso é um problema permanente com a ajuda aos pobres. Todos queremos ajudar pessoas bondosas,
direitas, aqueles que a pobreza veio sem nenhuma contribuição deles e aqueles que responderão à
sua ajuda com gratidão e alegria. Francamente, não existe quase ninguém assim. E enquanto é
importante que nossa ajuda ao pobre realmente os ajude e não crie dependência (veja minha
última seção), Edwards faz um breve trabalho sobre esta objeção ao apelar novamente não tanto
para prescrições éticas, mas para o evangelho em si.
Cristo nos amou, foi bondoso conosco e estava disposto a nos libertar, apesar de sermos muito maus e detestáveis, de uma disposição má, não merecendo nenhuma bondade, então poderíamos estar dispostos a sermos gentis com aqueles que estão com má vontade, e são muito desmerecedores. Se eles vierem a querer por preguiça e esbanjamento viciantes; ainda assim, não estamos isentos de toda obrigação de aliviá-los, a menos que continuem nesses vícios. Se eles não continuam nesses vícios, as regras do evangelho nos direcionam a perdoá-los... [Porque] Cristo nos amou, teve compaixão de nós e teve muita disposição em nos aliviar daquela necessidade e miséria que trouxemos para nós por nossa própria loucura e maldade. Tola e perversamente jogamos fora aquelas riquezas com as quais fomos providos, sobre as quais poderíamos ter vivido e sido felizes por toda a eternidade.[16]
Edwards continua a discutir, sabiamente, que por causa das crianças dentro das famílias, algumas vezes precisaremos manter a ajuda a famílias nas quais os pais não saem de seus comportamentos irresponsáveis.[17]
Resumindo, Edwards ensina que o evangelho requer que sejamos envolvidos na vida dos
pobres - não apenas financeiramente, mas pessoal e emocionalmente. Nossa oferta não deve ser
simbólica, mas tão radical que traga um certo sofrimento para nossas próprias vidas. E devemos
ser bem pacientes, e não paternalistas generosos para aqueles cujo comportamento causou ou
agravou sua pobreza. Essas atitudes e dimensões do ministério aos pobres procedem não
simplesmente de princípios éticos bíblicos em geral, mas do próprio evangelho.
(2) Ministrar aos pobres é um sinal crucial de que cremos no evangelho
Edwards também lida com grupo de textos que parecem fazer nosso cuidado e preocupação pelos pobres a base para o julgamento de Deus no dia do Senhor. Mt 25:34–46 é famoso por ensinar que as pessoas serão aceitas ou condenadas por Deus no último dia, dependendo de como elas trataram o faminto, o desabrigado e imigrante, o doente e o preso. Como pode ser isso? Isso não contradiz o ensinamento de Paulo de que somos salvos pela fé em Cristo, não por nossas obras?
Edwards nota que no Velho Testamento, ofertar aos pobres é uma marca essencial da
piedade. O famoso verso de Miquéias 6:8 requer que o homem "Pratique a justiça, ame a
fidelidade e ande humildemente com o seu Deus." Edwards conclui (corretamente, de acordo com
Bruce Waltke) que isso requer que o homem piedoso esteja envolvido com os pobres.[18] Waltke diz que tanto "praticar a justiça" e
"amar a fidelidade" significam ser gentil com o oprimido e marginalizado e ativo em ajudar
pessoas que estão financeira e socialmente em uma condição mais fraca.[19] Mas essa ênfase não está apenas no Velho Testamento.
Cuidar dos pobres é "algo tão essencial, que o contrário não consiste com um sincero amor por
Deus" (1 João 3:17–19).[20] Disso (e de 2 Co 8:8, que fala da generosidade com os pobres como
uma prova de um coração amoroso, transformado pela graça), Edwards conclui que praticar justiça
e misericórdia não é uma razão com mérito para Deus nos aceitar.[21] Antes, praticar a justiça e misericórdia com os pobres é um
sinal inevitável de que alguém tem uma fé justificadora e graça no coração.
Outra versão do ensino de Mt 25:34-46 é encontrado no livro de Tiago. Protestantes que
brigaram com o ensino de Tg 2 concluíram: "somos salvos somente pela fé - mas não por uma fé
que permanece sozinha; a fé sem obras é morta, não é a verdadeira fé justificadora".
Absolutamente certo. Mas note que, no contexto, todas as "obras" que Tiago diz são as marcas da
fé salvadora que estão cuidando de viúvas e órfãos (1:27), mostrando aos pobres respeito e os
tratando igualmente (2:2–6), e cuidando das necessidades materiais de comida e roupa (2:15–16).
Tiago fala, sem rodeios, que aqueles que dizem ter fé justificadora, mas fecham seus corações
aos pobres, estão enganados ou são mentirosos (2:15–18). Tiago conclui: "porque será exercido
juízo sem misericórdia sobre quem não foi misericordioso." (2:13). A "misericórdia" que Tiago
fala aqui é uma forte preocupação e ajuda aos pobres.[22]
Aqui novamente temos o ensinamento: você não encontrará misericórdia de Deus no dia do
julgamento se você não tiver mostrado misericórdia com os pobres durante sua vida. Isso não é
porque cuidar dos pobres o salvará, mas porque é a inevitável consequência da fé salvadora e
justificadora.
O princípio: uma consciência social sensitiva e uma vida derramada em atos de serviço
aos necessitados são as consequências inevitáveis de uma fé autêntica. Por atos de serviço,
Deus pode julgar o verdadeiro amor de si mesmo por meio da palavra (cf. Is 1:10–17). Mt 25,
onde Jesus se identifica com os pobres ("o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a
mim o fizeram") pode ser comparado a Pv 14:31 e 19:17, que nos diz que ser gracioso com os
pobres é emprestar ao próprio Deus e pisar nos pobres é pisar em Deus. Isso quer dizer que
Deus, no dia do julgamento, pode dizer o que a atitude do coração de uma pessoa é para ele pelo
que a atitude do coração dessa pessoa é para os pobres. Se há dureza, indiferença ou
superioridade, isso trai a justiça própria de um coração que não abraçou verdadeiramente a
verdade, que ele ou ela é um pecador perdido, salvo apenas pela graça gratuita, mas ainda
assim, cara.
O apelo e argumento de Edward é muito poderoso. Ele começa seu estudo perguntando: "Onde
temos alguma ordem na Bíblia em termos mais fortes, e de maneira mais autoritariamente urgente,
do que a ordem de ofertar aos pobres?"[23] Ele conclui sua pesquisa do material bíblico com Provérbios 21:13:
"Quem fecha os ouvidos ao clamor dos pobres também clamará e não terá resposta." Edwards
adiciona: "Deus tem ameaçado pessoas pouco caridosas, que se eles vierem a estar em calamidade
e angústia eles devem ser deixados sem ajuda."[24]
Edwards traz para casa a demanda da Bíblia de que cristãos moldados ao evangelho devem ser
memoráveis por seu envolvimento e preocupação com os pobres. Deveríamos ser literalmente
"famosos" por isso. Essa é a implicação de textos como Mt 5:13–16 e 1 Pe 2:11–12.
O lugar da escatologia
Note que Edwards não apela para a escatologia para defender seu ministério aos pobres. Muitas vezes foi argumentado (inclusive por mim!) que, por causa da obra salvadora de Jesus ter como objetivo final a restauração do mundo material, portanto, Deus se preocupa com o corpo e também com a alma, e por isso devemos socorrer os famintos e os doentes, bem como salvar almas. Muitos contam que esse mundo físico será queimado (2 Pe 3:10–11; Ap 21:1), então deveríamos simplesmente salvar almas e não nos preocupar muito em melhorar as condições materiais das pessoas aqui.
A seguir enfrentaremos o relacionamento entre os ministérios da palavra e ações, mas no
momento vamos observar que é possível fazer um caso extremamente forte para um ministério
significativo aos pobres sem qualquer referência a questões da escatologia. As pessoas debatem
se esse mundo é renovado pelo fogo ou destruído e substituído.[25] Mas, como podemos ver da explicação e argumento de Edward, o
caso de importância do ministério aos pobres não repousa nessas questões controversas. Como ele
diz, a ordem para cuidar dos pobres é tão forte quanto qualquer outra na Bíblia, e no Novo
Testamento (e até no Velho Testamento), geralmente é baseada no evangelho da substituição,
resgate e graça.[26] A incerteza quanto à se o mundo físico
será substituído ou não, não deveria prejudicar nossa aceitação das dezenas de exigências
bíblicas positivas de que abramos nossos corações aos pobres.
O estudo de Edward é poderoso retoricamente, mas uma pesquisa exegética muito mais
completa e acessível de todo o relacionamento do evangelho e os pobres é o de Craig Blomberg,
Nem pobreza nem riquezas[27] Ninguém que leia o estudo de Blomberg ou o discurso de Edward e não seja atingido
em quão relativamente ausente - em comparação com seu poder e proeminência na Bíblia - é a
ênfase nos pobres na pregação evangélica de hoje, especialmente entre as igrejas conservadoras
e reformadas. Por que seria assim? Chegaremos a isso no próximo título.
O que é o relacionamento do evangelho da proclamação com o ministério aos pobres?
Como a igreja deveria responder a tal ensinamento bíblico notavelmente forte, sobre a
importância em ofertar aos pobres? É óbvio para quase todos que a Bíblia ensina isso. Os
debates, entretanto, são sobre para quem e como a igreja deveria dar sua ajuda.
Para quem?
Alguns acreditam que todos esses textos recomendando aos crentes a ofertar aos pobres
são dados apenas a crentes individuais, não para a igreja como uma instituição ou corpo. Mas é
difícil enquadrar essa visão com o poder das declarações que lemos. Se é realmente verdade que
justiça e misericórdia com os pobres não é opcional para um cristão e é de fato o sinal
inevitável de fé justificadora, é difícil acreditar que a igreja não é o reflexo de seu dever
corporativo de alguma maneira. Mas não temos que continuar a supor e deduzir aqui.
Deus deu a Israel muitas leis de responsabilidade social, que deveriam ser cumpridas
corporativamente. A aliança comunitária era obrigada a ofertar aos membros pobres até que suas
necessidades acabassem (Dt 15:8-10). Os dízimos iam para os pobres (Dt 14:28–29). Os pobres não
deveriam simplesmente receber uma "esmola", mas ferramentas, grãos (Dt 15:12-15), e terra (Lv
25) para que eles pudessem se tornar produtivos e autossuficientes. Mais tarde, os profetas
condenaram a insensibilidade de Israel com os pobres como uma quebra de aliança. Eles ensinaram
que o materialismo e ignorar os pobres eram pecados tão repugnantes quanto a idolatria e o
adultério (Amós 2:6–7). Misericórdia com os pobres é uma evidência de verdadeiro compromisso de
coração com Deus (Is 1:10–17; 58:6–7; Amós 4:1–6; 5:21–24). O grande acúmulo de fortunas, ao
"adquirirem casas e mais casas, propriedades e mais propriedades até não haver mais lugar para
ninguém" (Is 5:8–9), apesar de ser de maneira legal, pode ser pecaminoso se os ricos são
orgulhosos e insensíveis para com os pobres (Is 3:16–26; Amós 6:4–7). O exílio de setenta anos
foi uma punição para a inobservância do sábado e dos anos do jubileu (2 Cr 36:20–21). Nesses
anos os prósperos cancelariam dívidas, mas os abastados se recusaram a fazer isso.
Mas esse era Israel. E a igreja? A igreja reflete a justiça social da comunhão da antiga
aliança, mas com maior vigor e o poder da nova era. Cristãos também são chamados para abrirem
suas mãos aos necessitados tanto quanto exista necessidade (1 João 3:16–17; cf. Dt 15:7–8).
Dentro da igreja, a riqueza é para ser dividida com bastante generosidade entre ricos e pobres
(2 Cor 8:13–15; cf. Lv 25). Seguindo os profetas, os apóstolos ensinam que a verdadeira fé
inevitavelmente se mostrará através de atos de misericórdia (Tg 2:1–23). Materialismo ainda é
um pecado penoso (Tg 5:1–6; 1 Tn 6:17–19). Não apenas crentes individuais tem essas
responsabilidades, mas uma classe especial de diáconos oficiais é estabelecida para coordenar o
ministério de misericórdia da igreja. Não devemos nos surpreender, então, que os primeiros dois
grupos de líderes da igreja são líderes de palavras (apóstolos) e líderes de ações (os
diakonoi de Atos 6). Na época de Fp 1:1 e Tn 3, oficiais supervisionam o ministério de
palavras (presbíteros) e o ministério de ações (diáconos). Isso ocorre porque os dons
ministeriais de Jesus chegaram até nós (Ef 4:7–12). O corpo de Cristo recebe tanto dons de
falar quanto dons de diaconia (1 Pe 4:10). Tudo isso mostra que o ministério de misericórdia é
exigido, trabalho obrigatório da igreja assim como é o ministério de palavra e disciplina (cf.
Rom 15:23–29). Segundo Co 8:13–14 e Gl 2:10 mostram estudos de casos reais de diaconia
corporativa, onde a igreja dá ofertas e alívio aos pobres (administrado por aqueles apontados
pela igreja). Então não apenas indivíduos, mas a igreja como corpo deve estar envolvida em
cuidar e ofertar aos pobres.
Outras questões permanecem. Mesmo se é reconhecido que a congregação (assim como os
indivíduos) devem ofertar aos pobres, a vasta maioria das referências a tal ministério está
dentro da comunidade cristã - cuidando dos crentes. Alguns concluem que enquanto cristãos
individuais deveriam estar envolvidos em cuidar de todo tipo de pessoas pobres, a igreja
deveria limitar seu ministério aos pobres apenas dentro da igreja. De novo, há muitos textos
que militam contra essa visão. Tanto Israel (Lv 19:33–34)) e a comunidade da nova aliança (Hb
13:2; 1 Tn 5:10) são direcionados a mostrar hospitalidade a desconhecidos e estrangeiros,
àqueles que não eram da comunidade de crentes. O impulso principal da famosa parábola de Jesus
sobre o Bom Samaritano (Lucas 10:25–37) é que o ministério da misericórdia não deveria ser
confinado à comunidade da aliança, mas deveria também ser estendida àqueles de fora. Também
Jesus em Lucas 6:32–36 exorta seus discípulos a realizarem o ministério de ações para os
ingratos e malvados, porque esse é o padrão da graça comum de Deus, que faz a chuva cair e o
sol brilhar sobre os justos e os injustos (Mt 5:45) Essa exortação final não pode ser lida para
significar que ofertamos a qualquer um que peça, mesmo se a oferta tornasse fácil para eles
pecarem. Mesmo assim, esses textos claramente alertam a igreja contra restringir seu ministério
de misericórdia apenas para aqueles de sua própria comunidade.
Talvez a passagem mais útil tenha sido a breve declaração de Paulo em Gl 6:10 (escrito
para ser lido para uma igreja como um corpo, não apenas como indivíduos), a qual explicitamente
estabelece uma lista de prioridades para ministrar a necessidades práticas e materiais. Antes
de tudo, temos que ministrar para os da "família da fé", e em segundo lugar, para "todas as
pessoas" sem considerar as distinções de etnia, nacionalidade ou crença.
Como?
Mas e o relacionamento do ministério aos pobres ao ministério do evangelismo e a
pregação do evangelho?
(1) O evangelismo é distinto.
A igreja modernista do começo do século vinte reduziu o ministério evangélico a ética e ação social. O ditado curioso "pregue o evangelho; use palavras se necessário" se encaixa nessa ideia de que o evangelho é basicamente "uma forma de viver" e que o ministério do evangelho é "fazer um mundo melhor". Mas isso não apenas contradiz o ensino da Bíblia de que o evangelho deve ser verbalmente proclamado e ter como resposta o arrependimento e a fé. Isso essencialmente nega o evangelho da graça pelos atos de salvação de Deus na história, e o substitui pelas boas obras e aperfeiçoamento moral. No evangelho social, o evangelismo simplesmente desaparece. Amar os pobres é "comunicar as boas novas". Em resposta a isso, a igreja conservadora é profundamente suspeita de enfatizar demais o ministério aos pobres. Eles ouvem muitas as "igrejas emergentes" falando sobre fazer justiça e trabalhar pela paz como o caminho principal que fazemos apologética e evangelizamos pessoas. Considerando o desastre da teologia modernista e liberal, a suspeita é garantida. Mas como discuto acima, pregação evangélica conservadora consequentemente não dá a ênfase aos pobres que temos na própria Bíblia. Por quê? É o legado do evangelho social. Tanto aqueles que aceitaram e rejeitaram o evangelho social, distorceram a ênfase da Bíblia nos pobres (embora de maneiras diferentes).
À luz do material bíblico, muitos hoje estão buscando por algum tipo de equilíbrio. De
um lado, alguns dizem que enquanto ambos são necessários, a preocupação social é de que isso
signifique o fim do evangelismo. O que é, deveríamos praticar misericórdia e justiça apenas
porque e como isso nos ajuda a trazer pessoas à fé em Cristo. [28] Isso não parece se encaixar na parábola de Jesus sobre o
Bom Samaritano, que nos chama a cuidar mesmo daqueles que são "ingratos e maus" (Lucas 6:35). A
visão de meio para um fim abre os cristãos à acusação de manipulação. Ao invés de
verdadeiramente amar as pessoas com liberdade, estamos ajudando-os somente a nos ajudarem e a
aumentar nossos próprios números. Uma das maiores ironias dessa abordagem é que ela própria se
enfraquece. Tenho conhecido muitos evangélicos que avaliam ministérios de misericórdia pelo
número dos convertidos ou pessoas/membros frequentadores que a igreja produz. O sociólogo
Robert Putnam descreve tais iniciativas baseadas na igreja como capital social de ligação
centrada na igreja (ou exclusiva), em oposição ao capital social ponte centrada na
comunidade (ou inclusiva).[29]
Isto é, o ministério desse tipo de igrejas não é realmente projetado para edificar ao próximo,
mas apenas para expandir a igreja. Mas essa abordagem é percebida como egoísta e tribal pelas
pessoas ao redor da igreja e então elas não glorificam a Deus (Mt 5:13-16), pois eles não nos
veem expressando a graça sacrificial e incondicional de Deus. Eles nos veem ofertando apenas
onde podemos ter algo em retorno (Lucas 6:32–35).
Por outro lado, outros como John Stott veem o evangelismo e a preocupação social como
parceiros semelhantes:
[A]ção social é uma parceira do evangelismo. Como parceiros, os dois se pertencem
e ao mesmo tempo são independentes um do outro. Cada um está sobre seus próprios pés, lado a
lado. Nenhum é um meio para o outro, nem mesmo uma manifestação do outro. Pois cada um é um fim
em si mesmo.[30]
Isso parece separar muito o ministério do ministério da Palavra. Abre a possibilidade de
estar por conta própria, sem pregar o evangelho. Eu proponho outra coisa, um relacionamento
assimétrico e inseparável.
- ↑ Este artigo é um manuscrito ligeiramente editado de um jornal apresentado em 28 de maio de 2008, na Conferência de Pastores da Coalizão do Evangelho em Deerfield, Illinois.
- ↑ D. A. Carson, "O evangelho de Jesus Cristo (1 Co 15:1–19)," um sermão pregado em 23 de maio de 2007, na conferência da Coalizão do Evangelho em Deerfield, Illinois, disponível em http://thegospelcoalition.org/resources/a/What-is-the- Gospel2.
- ↑ Carson, "O evangelho de Jesus Cristo."
- ↑ Ibid.
- ↑ Ibid.
- ↑ Ibid.
- ↑ Jonathan Edwards, "Caridade cristã: ou, O dever da caridade aos pobres, explicada e aplicada" em Os trabalhos de Jonathan Edwards (rev. e corrigido por Edward Hickman; 1834; reimpressão, Carlisle, Pensilvânia: Bandeira da Verdade, 1974), 2:163–73.
- ↑ Ibid., 2:164.
- ↑ Ibid., 2:165.
- ↑ Ibid., 2:165.
- ↑ Ibid., 2:171.
- ↑ Richard N. Longenecker, Gálatas (WBC 41; Dallas: Palavra, 1990), 275.
- ↑ Philip Graham Ryken, Gálatas (Comentário do Expositor Reformado; Phillipsburg, NJ: Presbiteriano & Reformado, 2005), 248.
- ↑ Edwards, "Caridade cristã," 2:171 (ênfase no original).
- ↑ Ibid., 2:170.
- ↑ Ibid., 2:171–72.
- ↑ Ibid., 2:172 (Objeção IX.4).
- ↑ Bruce K. Waltke, Um comentário em Miquéias (Grand Rapids: Eerdmans, 2007), 164. Waltke aponta que ajudar os pobres algumas vezes é chamado "justiça" e algumas vezes "misericórdia". Usarei ambos os termos e darei uma pequena explicação de suas diferenças posteriormente na dissertação.
- ↑ Ibid., 390–94.
- ↑ Edwards, "Caridade cristã," 2:166 (ênfase no original).
- ↑ Ibid.
- ↑ Douglas J. Moo, A carta de Tiago (Comentário pilar do novo testamento; Grand Rapids: Eerdmans, 2000), 117.
- ↑ Edwards, "Caridade cristã," 2:164.
- ↑ Ibid., 2:169.
- ↑ Para o caso em que o mundo será renovado ao invés de substituído, veja Douglas J. Moo, "Natureza na nova criação: escatologia do novo testamento e o ambiente," JETS 49 (2006): 449–88; e Herman Bavinck, "A renovação da criação," cap. 18 em Dogmas Reformados (Grand Rapids: Baker, 2008), 4:715–30.
- ↑ E.g., "Amem os estrangeiros, pois vocês mesmos foram estrangeiros no Egito." (Dt 10:19).
- ↑ Craig L. Blomberg, Nem pobreza nem riqueza: Uma teologia bíblica das possessões (Novos estudos em teologia bíblica 7; Downers Grove: IVP, 2001).
- ↑ Veja C. Peter Wagner, Crescimento da igreja e o evangelho completo: Uma ordem bíblica (São Francisco: Harper & Row, 1981), 101–4.
- ↑ Robert D. Putnam, Boliche sozinho: O colapso e reavivamento da comunidade americana (Nova Iorque: Simon & Schuster, 2000), 22–24.
- ↑ John R. W. Stott, Missões cristãs em um mundo moderno: O que a igreja deveria estar fazendo agora! (Downers Grove: IVP, 1975), 27.