A Prática da Mortificação

De Livros e Sermões Bíblicos

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English: The Practice of Mortification

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Por Sinclair Ferguson Sobre Santificação e Crescimento
Uma Parte da série Tabletalk

Tradução por João Vitor Inacio dos Santos

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O resultado de uma conversa pode mudar a nossa opinião sobre um assunto.

Meu amigo – um jovem ministro – sentou-se comigo no fim de uma conferência em sua igreja e disse: “Antes de nos recolhermos nesta noite, me diga quais são os passos para ajudar alguém a mortificar seu pecado”. Nos demoramos um pouco neste assunto e depois fomos dormir, eu esperava que ele estivesse se sentindo tão abençoado quanto eu por toda aquela conversa. Ainda imagino se ele estava perguntando como um pastor ou simplesmente para ele próprio – ou ambas as coisas.

Como você responderia ao seu questionamento? A primeira coisa a fazer é recorrer às Escrituras. Sim, recorra a John Owen (o que nunca é uma má ideia!) ou a outro conselheiro vivo ou já falecido. Mas lembre-se que não nos foram deixados apenas recursos humanos nesta área. Nós precisamos ser ensinados pela “boca de Deus” para que os princípios que estejamos aprendendo a aplicar assumam consigo tanto a autoridade de Deus, a Prática da Mortificação e a Promessa de Deus de fazê-los funcionar.

Muitas passagens vêm à minha mente para estudo: Romanos 8.13; Romanos 13.8-14 (texto de Agostinho); 2 Coríntios 6.14 – 7.1; Efésios 4.17 – 5.21; Colossenses 3.1-17; 1 Pedro 4.1-11; 1 João 2.28 – 3.11. Significativamente, apenas duas destas passagens contém o verbo “mortificar” (“morrer, condenar à morte”). Igualmente considerável, o contexto de cada um destes textos é mais amplo que a simples exortação de condenar o pecado à morte. Como veremos, esta é uma observação que se verifica ser de uma importância considerável.

Destas passagens, provavelmente Colossenses 3.1-17 é a melhor para começarmos. Aqui estavam Cristãos relativamente novos. Eles tiveram uma maravilhosa experiência de conversão a Cristo do paganismo. Eles ingressaram no gloriosamente novo e libertador mundo da graça. Talvez - se pudéssemos ler nas entrelinhas - eles tenham durante algum tempo sentido como se tivessem sido libertos não apenas das penalidades do pecado mas quase que de toda a sua influência – tão maravilhosa era sua nova liberdade. Mas então, claro, o pecado mostrou sua cara feia novamente. Tendo experimentado o “já” da graça, foram descobrindo o doloroso “ainda não” do processo de santificação. Parece familiar!

Mas como em nossa subcultura evangélica de soluções rápidas para problemas de longo prazo, a menos que os Colossenses tenham tido uma compreensão definitiva dos princípios do Evangelho, eles agora estavam em risco! É exatamente neste ponto que novos Cristãos podem ser uma presa relativamente fácil para falsos mestres com novas promessas de uma vida espiritual mais alta. É isso que Paulo temia (Cl 2.8,16). Métodos de produção de santidade agora estavam na moda (Cl 2.21,22) – e eles pareciam ser profundamente espirituais, exatamente o que os sinceros novos convertidos precisavam. Mas, na verdade, ”não têm valor algum para refrear os impulsos da carne” (Cl 2.23). Não o método novo, mas apenas o entendimento de como o Evangelho funciona, pode fornecer um alicerce adequado e um modelo para lidar com o pecado. Este é o tema de Colossenses 3.1-17.

Paulo dá o modelo e ritmo que precisamos. Assim como os atletas olímpicos do salto em distância, não teremos sucesso a menos que voltemos do ponto de ação ao ponto em que ganhamos energia para o esforço extenuante de lidar com o pecado. Como, então, Paulo nos ensina a fazer isso?

Primeiramente, Paulo sublinha como é importante para nós estarmos familiarizados com a nossa nova identidade em Cristo. (3.1-4). Frequentemente, quando falhamos espiritualmente, lamentamos que esquecemos de quem realmente somos – Cristo. Nós temos uma nova identidade. Não somos mais “em Adão”, mas “em Cristo”; não mais na carne, mas no Espírito; não mais dominados pela velha criação mas vivendo na nova (Rm 5.12-21, 8.9; 2 Co 5.17). Paulo usa tempo para expor isso. Nós morremos com Cristo (Cl 3.3, nós fomos sepultados com Cristo, 2.12); nós fomos ressuscitados com Ele (3.1), e nossa vida está escondida com Ele (3.3). De fato, estamos tão unidos a Cristo que Cristo não se manifestará em glória sem nós (3.4). A falha em lidar com a presença do pecado pode frequentemente ser apontada como amnésia espiritual, esquecimento de nossa nova, verdadeira e real identidade. Como um crente, sou alguém que foi liberto do domínio do pecado e que portanto é livre e motivado para lutar contra os vestígios das tropas do pecado no meu coração.

O princípio número um, então, é: Saiba, descanse, pense a respeito e aja de acordo com sua nova identidade – você está em Cristo.

Segundo, Paulo vai expor o funcionamento do pecado em cada área de nossa vida (Cl 3.5-11). Se nós vamos lidar com o pecado biblicamente, precisamos não cometer o erro de pensar que podemos limitar nosso ataque apenas às áreas que falhamos em nossas vidas. Precisamos lidar com todos os pecados. Assim, Paulo discorre através da manifestação do pecado na vida particular (v. 5), da vida pública (v.8) e da vida na igreja (vv. 9-11; “uns aos outros”, “nesta nova vida”, ou seja, na comunhão da igreja). O desafio na mortificação é parecido com o desafio de uma dieta (que também é uma forma de mortificação!): uma vez que começamos, descobrimos que existem muitos motivos para estarmos acima do peso. Estamos lidando conosco mesmos, não apenas com um controle de calorias. O problema sou eu, não as batatas fritas! Mortificar o pecado é uma mudança para a nossa vida inteira.

Terceiro, a exposição de Paulo nos fornece um guia prático para a mortificação do pecado. Em alguns momentos, parece que Paulo dá exortações (“mortifique...” 3.5) sem dar ajudas “práticas” para responder o nosso “mas como?”. Com frequência nos dias de hoje, Cristãos recorrem a Paulo para os dizer o que fazer e à livraria cristã local para descobrir como fazê-lo. Por que esta bifurcação existe? Provavelmente, porque não nos demoramos o bastante para ouvir o que Paulo está dizendo. Não mergulhamos nossos pensamentos profundamente nas Escrituras. Já que, caracteristicamente, sempre que Paulo emite uma exortação, ele a envolve com pistas de como nós devemos praticá-las.

Certamente esta é uma verdade aqui. Veja como esta passagem ajuda a responder nossos “mas como?”:

1. Aprenda a admitir o pecado como ele realmente é. Chame uma espada de espada. Chame de “imoralidade sexual”, não de “estou sendo um pouco tentado”; chame de “impureza”, não de “estou lutando com o meu pensamento”; chame isso de “desejo maligno, que é idolatria”, não de “acho que preciso estabelecer minhas prioridades um pouco melhor”. Este padrão se segue através de toda esta passagem. Quão poderoso é retirar a máscara do autoengano. Isso nos ajuda a desmascarar o pecado que espreita nos cantinhos escondidos dos nossos corações!

2. Veja o pecado pelo que ele realmente é na presença de Deus. “É por causa dessas coisas que vem a ira de Deus” (3.6). Os mestres da vida espiritual falaram sobre trazer os nossos desejos (ainda que à força) à cruz, ao Cristo que está suportando a ira. O Meu pecado leva não a um deleite constante, mas a um descontentamento santo e divino. É possível perceber a natureza real do seu pecado à luz do seu castigo. É muito fácil pensarmos que o pecado é menos sério para os cristãos do que para os não-crentes: “está perdoado, certo?” Não se continuarmos nisso (1 João 3.9)! Tenha uma visão com os olhos do céu daquilo que é pecado e sinta a vergonha em que um dia você andou (Cl 3.7, veja também Rm 6.21).

3. Reconheça a inconsistência do seu pecado. Você se despe do “velho homem”, e se reveste do “novo homem” (3.9,10). Você não é mais ou “velho homem”. A identidade que você tinha “em Adão” se foi. O velho homem foi “crucificado com ele (Cristo) para que o corpo do pecado (provavelmente “vida no corpo dominado pelo pecado”) seja destruído, e não mais sejamos escravos do pecado” (Rm 6:6). Novos homens vivem novas vidas. Qualquer coisa menor que isso apresenta uma inconsistência de quem eu sou “em Cristo”.

4. Faça o pecado morrer (Cl 3.5). “Simples” assim. Recuse-o, deixe-o faminto e rejeite-o. Você não pode “matar” o pecado sem a dor da morte. Não existe outro caminho! Mas perceba que Paulo diz isso em um contexto muito importante e ainda mais amplo. A tarefa negativa de fazer o pecado morrer não será concluída de forma isolada do chamado positivo do Evangelho para “se revestir” do Senhor Jesus Cristo (Rm 13.14). Paulo esclarece isso em Colossenses 3.12-17. Varrer a casa nos deixa mais abertos a uma invasão do pecado. Mas quando entendemos o princípio da “substituição gloriosa” do Evangelho da graça, começamos a fazer avanços reais em matéria de santidade. Como hábitos e desejos pecaminosos não são apenas rejeitados, mas substituídos pelas graças (3.12) e ações (3.13) de Cristo; revestidos do caráter de Cristo e suas graças somos mantidos unidos por seu amor (v.14), não apenas na nossa vida particular mas também na comunhão da igreja (vv. 12 – 16), o nome e glória de Cristo são manifestos e exaltados em nós e entre nós (3.17).

Estas são algumas das coisas que eu e meu amigo conversamos naquela noite memorável. Não tivemos uma oportunidade depois disso para perguntarmos um ao outro “Como estão as coisas?” já que esta foi nossa última conversa. Ele morreu alguns meses depois. Fico me perguntando como foram estes meses seguintes na sua vida. Mas as mais sinceras preocupações pessoais e pastorais sobre este assunto ainda ecoam em minha mente. Elas têm um efeito parecido com o que Charles Simeon disse ter sentido aos olhos do seu querido retrato do grande Henry Martyn:

“Não brinque!”