O Mistério da Iniqüidade
De Livros e Sermões BÃblicos
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Edição tal como às 19h01min de 18 de janeiro de 2012
Por R.C. Sproul Sobre Método Apologético
Tradução por Editora Fiel
O problema clássico da existência do mal tem sido chamado o tendão de Aquiles da fé cristã. Filósofos como John Stuart Mill têm argumentado que a existência do mal demonstra que Deus não é onipotente, nem bom, nem amoroso. O raciocínio é que, se o mal existe à parte do soberano poder de Deus, então, por lógica irresistível, Deus não pode ser considerado onipotente. Por outro lado, se Deus tem realmente poder para impedir o mal, mas falha em fazê-lo, isso se reflete em seu caráter, indicando que ele não é bom nem amoroso.
Por causa da persistência desse problema, a igreja tem visto inúmeras tentativas no que tem sido chamado de teodicéia. O vocábulo teodicéia envolve a combinação de duas palavras gregas: a palavra que significa Deus, theos, e a palavra que significa justificação, dikaios. Portanto, uma teodicéia é uma tentativa de justificar a Deus pela existência do mal (como vemos, por exemplo, em Paraíso Perdido, escrito por John Milton).
Essas teodicéias têm abrangido desde uma simples explicação de que o mal ocorre como resultado direto do livre-arbítrio do homem até às mais complexas tentativas filosóficas como a de Leibniz. Em sua teodicéia, que foi satirizada na obra Cândido, escrita por Voltaire, Leibniz fez distinção entre três tipos de males: o mal natural, o mal metafísico e o mal moral. Nesse esquema tríplice, Leibniz argumentou que o mal moral é uma conseqüência inevitável e necessária da finitude, que é uma deficiência metafísica de completude do ser. Visto que toda criatura está aquém de ser infinita, isso produz necessariamente defeitos como os que vemos no mal moral. O problema dessa teodicéia é que ela não leva em conta a idéia bíblica do mal. Se o mal é uma necessidade metafísica para as criaturas, é óbvio que Adão e Eva tinham de ser maus antes da Queda e terão de continuar sendo maus mesmo depois da glorificação, no céu.
Até hoje, ainda preciso achar uma explicação satisfatória para o que os teólogos chamam de mistério da iniqüidade. Receio que muitas pessoas não sentem quão graves são as explicações que levam em conta alguma dimensão do livre-arbítrio. A simples presença do livre-arbítrio não é suficiente para explicar a origem do mal, visto que ainda temos de perguntar como um ser bom se inclinaria livremente a escolher o mal. A inclinação para a vontade de agir de maneira imoral já é um sinal de pecado.
Uma das mais importantes abordagens do problema do mal foi apresentada inicialmente por Agostinho e, mais tarde, por Tomás de Aquino. Eles argumentaram que o mal não é um ser independente. O mal não pode ser definido como uma coisa, ou uma substância, ou algum tipo de ser. Pelo contrário, o mal é sempre definido como ação, uma ação que falha em satisfazer um padrão. Nesse sentido, o mal foi definido em termos de ser tanto uma negação (negatio) do bem como uma privação (privatio) do bem. Em ambos os casos, a própria definição do mal depende de um entendimento anterior do bem. Sendo assim, como argumentou Agostinho, o mal é parasitário, ou seja, depende do bem para sua própria definição. Pensamos no pecado como algo injusto, que envolve desobediência, imoralidade e coisas semelhantes. Para serem definidas, todas essas coisas dependem do conteúdo positivo do bem. Agostinho argumentou que, embora os cristãos enfrentem dificuldades para explicar a presença do mal no universo, o pagão tem um problema que é duas vezes mais difícil. Antes de alguém abordar o problema do mal, precisa primeiramente lidar com a existência antecedente do bem. Aqueles que reclamam do problema do mal enfrentam o problema de definir a existência do bem. Sem Deus não há um padrão absoluto para o bem.
Nos dias contemporâneos, esse problema tem sido resolvido por negar tanto o bem como o mal. Todavia, essa atitude encontra dificuldades enormes, especialmente quando alguém sofre às mãos de alguém que lhe inflige mal. É fácil negarmos a existência do mal, até que nós mesmos sejamos vítimas da ação perversa de outrem.
Embora terminemos nossa buscar por esclarecer a origem do mal, uma coisa é certa: visto que Deus tanto é bom como onipotente, temos de concluir que, em sua onipotência e bondade, tem de haver lugar para a existência do mal. Sabemos que Deus mesmo nunca faz o que é mau. Contudo, ele também ordena o que deve acontecer. Ainda que Deus nunca faça nem crie o mal, ele ordena que o mal exista. Se o mal realmente existe, e se Deus é soberano, é óbvio que ele pode impedir o mal. Se Deus permitiu a entrada do mal neste universo, isso só pode ter ocorrido por sua soberana decisão. Visto que as soberanas decisões de Deus sempre acompanham seu caráter perfeito, temos de concluir que a sua decisão de permitir a existência do mal é uma boa decisão.
Temos de ser cuidadosos neste ponto. Nunca devemos afirmar que o mal é bom ou que o bem é mal. Mas isso não é o mesmo que dizer: “É bom que haja o mal”. Repito, mais uma vez: é bom que haja o mal; do contrário, ele não poderia existir. Nem mesmo essa teodicéia explica o “como” da entrada do mal no mundo. Apensar considera o “porquê” da realidade do mal. Sabemos com certeza que o mal existe. Ele existe em nós e em nosso comportamento. Sabemos que a força do mal é extraordinária e traz grande tristeza e sofrimento ao mundo. Também sabemos que Deus é soberano sobre o mal e, em sua soberania, não permitirá que o mal tenha palavra final. O mal sempre serve e servirá aos melhores interesses de Deus, que, em sua bondade e soberania, ordenou a derrota completa do mal e sua erradicação deste universo. Nesta redenção, encontramos nosso gozo e descanso – e até àquele tempo, vivemos em um mundo caído.